Diagnóstico da Síndrome de Charles Bonnet
Diagnóstico da Síndrome de Charles Bonnet
A Síndrome de Charles Bonnet, descrita em 1760 por Charles Bonnet, é caracterizada por alucinações visuais vívidas, frequentemente de figuras humanas, animais, objetos ou cenas, em indivíduos com perda visual significativa, mas sem comprometimento cognitivo ou psiquiátrico primário. Essas alucinações são geralmente bem definidas, não ameaçadoras e percebidas como irreais pelo paciente, distinguindo-as de transtornos psicóticos. Estudos, como os publicados no British Journal of Ophthalmology, estimam que a prevalência da SCB varia de 10% a 40% em pacientes com baixa acuidade visual, sendo mais comum em idosos devido à associação com doenças oftalmológicas relacionadas à idade.
O diagnóstico começa com uma anamnese clínica detalhada, conduzida por um psiquiatra, neurologista ou oftalmologista, dependendo do contexto. A entrevista deve explorar a natureza, frequência e duração das alucinações, bem como o impacto funcional e emocional. É crucial investigar o histórico oftalmológico, incluindo a gravidade da perda visual (geralmente acuidade visual inferior a 20/60), e confirmar a ausência de delírios ou comprometimento cognitivo significativo. Os pacientes com SCB frequentemente mantêm insight, reconhecendo que as alucinações não são reais, o que diferencia a condição de transtornos como esquizofrenia ou demência com corpos de Lewy. Relatos de familiares ou cuidadores podem complementar a anamnese, especialmente em idosos que podem minimizar os sintomas por medo de estigmatização.
Instrumentos de rastreamento, como o Mini-Mental State Examination (MMSE) ou o Montreal Cognitive Assessment (MoCA), são úteis para avaliar a função cognitiva e descartar demências, enquanto questionários como o North East Visual Hallucinations Interview (NEVHI) podem ajudar a caracterizar as alucinações visuais. No entanto, o diagnóstico é primariamente clínico, baseado na tríade clássica da SCB: alucinações visuais complexas, perda visual significativa e ausência de transtorno psiquiátrico primário. A literatura científica, incluindo revisões no Journal of Neuro-Ophthalmology, destaca que a SCB está associada à teoria da “desafereção cortical”, na qual a redução de estímulos visuais leva à hiperatividade espontânea no córtex visual, resultando em alucinações.
A exclusão de outras condições é um passo essencial. Alucinações visuais podem ser causadas por transtornos neurológicos (como epilepsia do lobo occipital), intoxicação por medicamentos (por exemplo, anticolinérgicos ou dopaminérgicos), delirium, ou transtornos psiquiátricos, como psicose. Exames laboratoriais, incluindo hemograma, função tireoidiana e níveis de eletrólitos, são necessários para descartar causas metabólicas. Neuroimagem, como tomografia computadorizada ou ressonância magnética, pode ser indicada para excluir lesões cerebrais, como tumores ou acidentes vasculares cerebrais. Além disso, uma avaliação oftalmológica detalhada, incluindo fundoscopia e testes de acuidade visual, é indispensável para confirmar a perda visual subjacente.
A abordagem integrativa considera fatores psicossociais e culturais. A SCB pode causar angústia significativa, especialmente em pacientes que temem ser diagnosticados com uma doença psiquiátrica. Fatores como isolamento social, depressão reativa à perda visual ou estresse podem exacerbar os sintomas. Culturalmente, a interpretação de alucinações varia, e o clínico deve diferenciar experiências culturalmente normativas, como visões espirituais, de sintomas patológicos. Estudos transculturais, como os conduzidos pela Organização Mundial da Saúde, reforçam a importância da sensibilidade cultural no diagnóstico.
O diagnóstico deve ser longitudinal, com acompanhamento para monitorar a evolução dos sintomas, que podem diminuir com adaptação à perda visual ou tratamento da condição oftalmológica subjacente. A colaboração com equipes multidisciplinares, incluindo oftalmologistas e assistentes sociais, é crucial para um manejo integrado. A abordagem empática, com psicoeducação sobre a natureza benigna das alucinações, reduz a ansiedade do paciente.
O diagnóstico da Síndrome de Charles Bonnet requer uma abordagem integrativa que combine anamnese detalhada, exclusão de causas orgânicas, uso de instrumentos de rastreamento e consideração de fatores psicossociais e culturais. Com respaldo em diretrizes científicas e estudos clínicos, essa estratégia assegura maior precisão diagnóstica, promovendo intervenções que aliviam o sofrimento e melhoram o bem-estar do paciente.
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