Adesão ao tratamento anticoagulante oral: análise em pacientes com FA.

 Adesão ao tratamento anticoagulante oral: análise em pacientes com FA



A fibrilação atrial (FA) é a arritmia cardíaca mais prevalente, afetando cerca de 2-3% da população global e aumentando o risco de acidente vascular cerebral (AVC) em até cinco vezes. A anticoagulação oral, seja com antagonistas da vitamina K, como a varfarina, ou com anticoagulantes orais diretos (DOACs), incluindo dabigatrana, rivaroxabana, apixabana e edoxabana, é essencial para prevenir eventos tromboembólicos em pacientes com FA. No entanto, a adesão ao tratamento anticoagulante oral é um desafio significativo, com taxas de não adesão variando de 20% a 50% em diferentes populações. A baixa adesão compromete a eficácia da terapia, elevando o risco de trombose, sangramentos e mortalidade. Este texto analisa os fatores que influenciam a adesão ao tratamento anticoagulante oral em pacientes com FA, os impactos clínicos da não adesão, estratégias para melhorá-la e perspectivas futuras, com ênfase no contexto clínico brasileiro.

Fatores que Influenciam a Adesão

A adesão ao tratamento anticoagulante oral é determinada por uma interação complexa de fatores relacionados ao paciente, ao medicamento, ao sistema de saúde e ao contexto socioeconômico. Entre os fatores relacionados ao paciente, destacam-se a idade avançada, comorbidades, polifarmácia e comprometimento cognitivo. Pacientes idosos (>75 anos) frequentemente enfrentam dificuldades em gerenciar regimes complexos, com estudos indicando uma redução de 25% na adesão devido a esquecimento ou confusão com doses. Além disso, a percepção do risco-benefício influencia significativamente o comportamento: pacientes que temem sangramentos mais do que o AVC tendem a interromper o tratamento. Uma pesquisa conduzida no Brasil revelou que 30% dos pacientes com FA suspenderam a anticoagulação por preocupações com sangramentos, mesmo após orientações médicas.

As propriedades dos medicamentos também desempenham um papel crucial. A varfarina exige monitoramento regular do índice internacional normalizado (INR), ajustes de dose e restrições dietéticas devido a interações com alimentos ricos em vitamina K, o que pode ser incômodo. Um estudo em hospitais públicos brasileiros mostrou que apenas 50% dos pacientes em uso de varfarina mantinham INR na faixa terapêutica (2,0-3,0), e 25% relataram dificuldades logísticas, como acesso a laboratórios, contribuindo para a não adesão. Em contrapartida, os DOACs oferecem administração em dose fixa, sem necessidade de monitoramento laboratorial, o que simplifica o tratamento. Um ensaio clínico comparando rivaroxabana e varfarina demonstrou que a adesão à rivaroxabana foi 20% maior, atribuída à facilidade de uso e menor interação com outros medicamentos.

Fatores socioeconômicos são particularmente relevantes no Brasil, onde desigualdades no acesso à saúde limitam a adesão. A varfarina, disponível gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), é a opção predominante para pacientes de baixa renda, mas o custo elevado dos DOACs, que não são amplamente fornecidos pelo SUS, restringe seu uso. Um estudo em clínicas públicas de São Paulo indicou que 35% dos pacientes que iniciaram DOACs os abandonaram devido ao custo, revertendo para varfarina ou interrompendo a terapia. A baixa alfabetização em saúde, comum em populações vulneráveis, também dificulta a compreensão da importância da continuidade do tratamento, com 40% dos pacientes relatando desconhecimento sobre os riscos de interrupção, segundo pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais.

O acesso ao sistema de saúde é outro determinante crítico. Em regiões rurais, a escassez de clínicas de anticoagulação e a distância para laboratórios dificultam o monitoramento da varfarina, levando a taxas de não adesão de até 45%. Mesmo em centros urbanos, a sobrecarga dos serviços de saúde e a falta de acompanhamento multidisciplinar contribuem para o problema. Um programa em Recife demonstrou que pacientes com acesso a consultas regulares com farmacêuticos apresentaram uma adesão 30% maior, destacando a importância do suporte contínuo.

Impactos Clínicos da Não Adesão

A não adesão ao tratamento anticoagulante oral em pacientes com FA tem consequências graves. A interrupção ou uso irregular dos anticoagulantes aumenta o risco de AVC e embolia sistêmica, especialmente em pacientes com escores CHA2DS2-VASc ≥2. Um estudo de coorte brasileiro com 1.500 pacientes mostrou que a não adesão à varfarina foi associada a uma incidência de AVC de 7% ao ano, comparada a 1,5% em pacientes aderentes. Para os DOACs, a não adesão também eleva o risco tromboembólico, embora a meia-vida curta desses agentes (12-24 horas) limite a janela de risco em comparação com a varfarina, que pode levar dias para perder efeito.

A não adesão também está associada a complicações hemorrágicas. Pacientes que tomam varfarina de forma inconsistente podem apresentar flutuações no INR, resultando em estados de hiper ou hipocoagulabilidade. Um estudo em hospitais do SUS revelou que 20% dos sangramentos maiores em pacientes com FA foram associados a INR fora da faixa terapêutica devido à adesão inadequada. Nos DOACs, erros como doses duplicadas ou esquecimento podem levar a sangramentos ou trombose, respectivamente, com um estudo indicando que 15% dos eventos adversos estavam ligados à não adesão.

Estratégias para Melhorar a Adesão

Diversas estratégias têm sido implementadas para melhorar a adesão ao tratamento anticoagulante oral. A educação do paciente é uma abordagem central, envolvendo orientações sobre a importância da anticoagulação, os riscos de interrupção e o manejo de efeitos adversos. Programas educativos, como o “Coração Consciente” em São Paulo, aumentaram a adesão em 25% ao oferecer materiais acessíveis e sessões de aconselhamento. O envolvimento de cuidadores, especialmente para pacientes idosos ou com comprometimento cognitivo, também é eficaz, reduzindo o abandono do tratamento em 20%, segundo estudo da Universidade de São Paulo.

A simplificação do regime terapêutico é outra estratégia promissora. A transição para DOACs, quando financeiramente viável, melhora a adesão devido à ausência de monitoramento e restrições dietéticas. Em contextos onde a varfarina é a única opção, clínicas de anticoagulação com monitoramento estruturado podem otimizar o manejo. Um programa em Belo Horizonte que implementou telemonitoramento para INR aumentou o tempo na faixa terapêutica em 15%, reduzindo a não adesão.

O uso de tecnologias, como aplicativos de lembrete e dispositivos vestíveis, tem mostrado potencial. Aplicativos que alertam sobre horários de medicação e fornecem informações educativas aumentaram a adesão em 12% em um estudo piloto no Rio de Janeiro. A integração de equipes multidisciplinares, incluindo médicos, enfermeiros e farmacêuticos, também é eficaz, identificando barreiras como dificuldades financeiras ou efeitos colaterais. Um projeto em Salvador demonstrou que o acompanhamento por equipes multidisciplinares reduziu a não adesão em 18%.

Políticas públicas são cruciais para abordar barreiras socioeconômicas. A ampliação do acesso aos DOACs no SUS, ainda limitada no Brasil, poderia simplificar o tratamento e melhorar a adesão. Um estudo de custo-efetividade sugeriu que a incorporação de apixabana no SUS reduziria internações por AVC em 10%, compensando os custos iniciais. Além disso, campanhas de conscientização sobre FA e anticoagulação podem melhorar a alfabetização em saúde, especialmente em comunidades de baixa renda.

Perspectivas Futuras

As perspectivas futuras para melhorar a adesão incluem avanços em tecnologia e medicina de precisão. Algoritmos de inteligência artificial (IA) podem identificar pacientes com alto risco de não adesão com base em dados clínicos, socioeconômicos e comportamentais, permitindo intervenções personalizadas. Um estudo preliminar no Brasil utilizou IA para prever não adesão em pacientes com FA, alcançando uma acurácia de 87%. A farmacogenômica também pode otimizar o uso da varfarina, ajustando doses com base em polimorfismos genéticos (CYP2C9 e VKORC1), reduzindo complicações e aumentando a confiança no tratamento.

Inovações como pílulas inteligentes, que monitoram a ingestão de medicamentos, e a expansão da telemedicina, que facilita o acompanhamento em áreas remotas, oferecem soluções promissoras. Além disso, a educação contínua de profissionais de saúde sobre estratégias de adesão pode fortalecer o suporte ao paciente.

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A adesão ao tratamento anticoagulante oral em pacientes com FA é um desafio multifacetado, influenciado por fatores do paciente, medicamento, sistema de saúde e contexto socioeconômico. A não adesão aumenta o risco de AVC, sangramentos e mortalidade, comprometendo os desfechos clínicos. Estratégias como educação, simplificação do regime, suporte tecnológico e políticas públicas são essenciais para melhorar a adesão, especialmente no Brasil, onde desigualdades socioeconômicas agravam o problema. Com avanços em IA, farmacogenômica e telemedicina, é possível personalizar o manejo e superar barreiras, promovendo uma anticoagulação mais eficaz e segura, com benefícios significativos para a saúde dos pacientes com FA.

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