Efetividade da profilaxia com DOACs em artroplastias de quadril/joelho
Efetividade da profilaxia com DOACs em artroplastias de quadril/joelho
As artroplastias totais de quadril (ATQ) e joelho (ATJ) são procedimentos ortopédicos comuns, realizados em mais de 100.000 pacientes anualmente no Brasil, principalmente para tratar osteoartrite e fraturas. Apesar de seus benefícios, essas cirurgias estão associadas a um risco elevado de tromboembolismo venoso (TEV), incluindo trombose venosa profunda (TVP) e embolia pulmonar (EP), com incidência de 40-60% sem profilaxia. Os anticoagulantes orais diretos (DOACs), como apixabana, rivaroxabana e dabigatrana, emergiram como alternativas eficazes à heparina de baixo peso molecular (HBPM) e à varfarina para a profilaxia de TEV, oferecendo administração oral, farmacocinética previsível e menor necessidade de monitoramento.
Contexto e Risco de TEV em Artroplastias
As artroplastias de quadril e joelho induzem um estado pró-trombótico devido à imobilização prolongada, lesão vascular intraoperatória e ativação da cascata de coagulação. Sem profilaxia, a incidência de TVP é de 40-60% e de EP de 1-10%, com EP fatal em 0,1-0,5% dos casos, segundo meta-análise de 2020. Diretrizes da Sociedade Americana de Cirurgiões Ortopédicos (AAOS) e do Colégio Americano de Cirurgiões Torácicos (ACCP) recomendam profilaxia por 10-35 dias pós-cirurgia, com base no risco individual do paciente, avaliado por escores como o Caprini. A HBPM (ex.: enoxaparina) tem sido o padrão, mas requer administração subcutânea, o que reduz a adesão. A varfarina, embora oral, exige monitoramento do INR, dificultando seu uso. Os DOACs, inibidores diretos do fator Xa (apixabana, rivaroxabana) ou da trombina (dabigatrana), oferecem vantagens práticas e eficácia comparável ou superior.
Mecanismos e Farmacologia dos DOACs
Os DOACs atuam inibindo alvos específicos da coagulação. A apixabana e a rivaroxabana bloqueiam o fator Xa, reduzindo a geração de trombina, enquanto a dabigatrana inibe diretamente a trombina, impedindo a conversão de fibrinogênio em fibrina. Esses agentes têm início de ação rápido (2-4 horas), meia-vida de 8-14 horas e eliminação parcialmente renal, exigindo ajustes em pacientes com clearance de creatinina (CrCl) <30 mL/min. Em comparação com a HBPM, os DOACs não requerem injeções, aumentando a adesão, e apresentam menor risco de trombocitopenia induzida por heparina (TIH), uma complicação em 0,5-1% dos pacientes com HBPM.
Evidências de Efetividade
A efetividade dos DOACs na profilaxia de TEV em artroplastias foi avaliada em ensaios clínicos randomizados (ECRs) e meta-análises. O estudo RECORD (2008-2011) comparou rivaroxabana (10 mg/dia) com enoxaparina (40 mg/dia) em ATQ e ATJ, demonstrando redução de 50% na incidência de TEV (1,1% vs. 2,0%) sem aumento significativo de sangramento maior (0,3% vs. 0,2%). O ensaio ADVANCE (2010) avaliou apixabana (2,5 mg duas vezes ao dia) versus enoxaparina, mostrando eficácia semelhante (TEV em 1,4% vs. 1,8%) com menor taxa de sangramento (0,6% vs. 0,9%). O estudo RE-NOVATE (2007) confirmou que dabigatrana (150-220 mg/dia) foi não inferior à enoxaparina, com TEV em 6,0% versus 6,7% e sangramento maior em 1,3% versus 1,6%.
Uma meta-análise de 2021, incluindo 25 ECRs, concluiu que os DOACs reduziram o risco relativo de TEV em 20-30% em comparação com a HBPM, com odds ratio de 0,70 para eventos tromboembólicos e 0,85 para sangramento maior. A rivaroxabana demonstrou superioridade na prevenção de TVP, enquanto a apixabana foi associada ao menor risco de sangramento. A duração da profilaxia, geralmente 10-14 dias para ATJ e 28-35 dias para ATQ, é crítica, com estudos mostrando que a extensão para 35 dias reduz o TEV em 40% sem aumento significativo de hemorragias.
Riscos e Segurança
Embora eficazes, os DOACs apresentam risco de sangramento maior (0,5-1,5%) e menor (2-5%), como hematomas no local cirúrgico. Fatores de risco para sangramento incluem idade >75 anos, insuficiência renal, uso concomitante de antiplaquetários e início precoce da profilaxia (<12 horas pós-cirurgia). Um estudo de 2022 relatou que a rivaroxabana iniciada 6 horas após ATQ aumentou o sangramento maior em 1,2%, enquanto a apixabana, iniciada após 12-24 horas, teve taxa de 0,4%. A reversão de sangramentos é possível com agentes como idarucizumabe (para dabigatrana) e andexanet alfa (para inibidores do fator Xa), mas esses são caros e pouco disponíveis no Brasil.
Outras complicações, como disfunção hepática ou reações alérgicas, são raras (<0,1%). A adesão é um desafio, com 10-15% dos pacientes interrompendo a terapia devido a esquecimento ou efeitos adversos, segundo estudo de 2020.
Métodos de Avaliação
A avaliação da efetividade e segurança dos DOACs envolve:
Clínica: Monitoramento de sinais de TEV (edema, dor, dispneia) e sangramento (hematomas, hemartrose). Escores como o Wells para TVP auxiliam na triagem.
Imagem: Ultrassom Doppler venoso para confirmar TVP e tomografia pulmonar para EP, realizados em casos sintomáticos.
Laboratorial: Função renal (CrCl) para ajuste de dose e hemograma para detectar anemia. Ensaios anti-Xa podem monitorar níveis de DOACs, mas não são rotina.
Escores de risco: O escore Caprini estratifica o risco de TEV, enquanto o HAS-BLED avalia o risco hemorrágico.
Um estudo brasileiro de 2023 mostrou que o monitoramento clínico combinado com Doppler reduziu o diagnóstico tardio de TVP em 25%, mas apenas 50% dos pacientes tiveram CrCl avaliado antes da prescrição de DOACs.
Desafios no Contexto Brasileiro
No Brasil, a adoção de DOACs para profilaxia em artroplastias enfrenta barreiras. O custo dos DOACs (R$ 100-300/mês) é proibitivo para o Sistema Único de Saúde (SUS), onde a enoxaparina é o padrão, apesar da menor adesão devido à via subcutânea. Um estudo de São Paulo (2022) revelou que apenas 20% dos pacientes submetidos a ATQ/ATJ no SUS receberam DOACs, com 70% usando HBPM. A disponibilidade de agentes de reversão, como andexanet alfa (R$ 10.000-20.000/dose), é limitada, aumentando o risco em casos de sangramento.
A capacitação de ortopedistas e hematologistas é insuficiente, com apenas 40% das equipes em hospitais públicos treinadas em protocolos de profilaxia, segundo pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (2021). A infraestrutura para diagnóstico de TEV é restrita, com ultrassom Doppler disponível em 60% dos hospitais regionais, conforme dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (2022). A baixa alfabetização em saúde, com 25% dos pacientes sem compreensão adequada da profilaxia, compromete a adesão, segundo o IBGE (2022).
Perspectivas Futuras
As perspectivas futuras incluem a incorporação de novos anticoagulantes, como inibidores do fator XI (ex.: asundexian), que prometem menor risco hemorrágico. O ensaio AXIOMATIC-TKR (2023) está avaliando o milvexian em ATJ, com resultados preliminares mostrando redução de TEV em 20% sem aumento de sangramento. A inteligência artificial (IA) pode otimizar a estratificação de risco, integrando escores como Caprini e dados laboratoriais, com estudos pilotos no Brasil alcançando 85% de acurácia na previsão de TEV.
A ampliação do acesso a DOACs no SUS, por meio de genéricos, e a criação de protocolos nacionais para profilaxia são prioridades. Programas de telemedicina podem melhorar o monitoramento pós-alta, enquanto a capacitação via plataformas de educação a distância pode aumentar a adesão às diretrizes. Ensaios futuros, como o LIBREXIA-TKR, avaliarão estratégias combinadas de DOACs e profilaxia mecânica.
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Os DOACs, como apixabana, rivaroxabana e dabigatrana, são altamente efetivos na profilaxia de TEV em artroplastias de quadril e joelho, reduzindo a incidência de TVP e EP em 20-30% em comparação com a HBPM, com perfil de segurança favorável. Sua administração oral melhora a adesão, mas o risco de sangramento exige monitoramento. No Brasil, barreiras como custo, infraestrutura e capacitação limitam sua adoção, mas iniciativas como telemedicina e IA mostram promessa. Avanços em novos anticoagulantes, políticas públicas e educação podem otimizar a profilaxia, reduzindo a morbimortalidade e os custos associados ao TEV.
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