Eventos Tromboembólicos Neurológicos
Eventos Tromboembólicos Neurológicos
Os eventos tromboembólicos neurológicos, principalmente o acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico e o ataque isquêmico transitório (AIT), representam uma das principais causas de morbimortalidade global, com incidência de 100-150 casos por 100.000 habitantes no Brasil. Esses eventos resultam da oclusão de vasos cerebrais por trombos ou êmbolos, frequentemente originados de fontes cardioembólicas, como fibrilação atrial (FA), ou de placas ateroscleróticas em grandes artérias. A FA é responsável por 15-20% dos AVCs isquêmicos, com risco anual de 5% em pacientes não tratados. A gravidade desses eventos, com taxas de mortalidade de 10-20% e incapacidade permanente em 30-50% dos casos, destaca a importância de sua prevenção, diagnóstico precoce e tratamento.
Mecanismos Fisiopatológicos
Os eventos tromboembólicos neurológicos ocorrem quando trombos ou êmbolos obstruem a circulação cerebral, causando isquemia e dano neuronal. As principais fontes incluem:
Cardioembólica: A FA promove estase atrial, favorecendo a formação de trombos no apêndice atrial esquerdo, que podem embolizar para artérias cerebrais. Outras fontes incluem trombos ventriculares pós-infarto e valvulopatias.
Aterosclerótica: Placas nas artérias carótidas ou intracranianas liberam êmbolos ou causam trombose local.
Outras causas: Trombofilias (ex.: fator V Leiden), dissecção arterial e forame oval patente (FOP) com embolia paradoxal são relevantes, especialmente em jovens.
A cascata de coagulação é ativada pela exposição de tecido subendotelial ou por fatores pró-trombóticos, como níveis elevados de fator VIII ou inflamação crônica. Um estudo de 2021 mostrou que pacientes com FA e níveis de D-dímero >500 ng/mL apresentavam risco 3 vezes maior de AVC isquêmico, refletindo um estado hipercoagulável.
Fatores de Risco
Os fatores de risco incluem hipertensão (presente em 70% dos casos), diabetes, dislipidemia, tabagismo e idade avançada (>65 anos). A FA aumenta o risco em 5-6 vezes, especialmente com escores CHA2DS2-VASc ≥2. Trombofilias hereditárias, como fator V Leiden, elevam o risco em 2-5 vezes, enquanto condições adquiridas, como câncer e infecções (ex.: COVID-19), contribuem para 5-10% dos casos em jovens. Um estudo brasileiro de 2022 revelou que 15% dos AVCs isquêmicos em pacientes <45 anos foram associados a FOP, destacando a relevância de causas não tradicionais.
Diagnóstico
O diagnóstico é baseado em avaliação clínica e exames de imagem:
Clínica: Déficits neurológicos súbitos, como hemiparesia, afasia ou alteração visual, são avaliados pela escala NIHSS (National Institutes of Health Stroke Scale), que quantifica a gravidade.
Imagem: A tomografia computadorizada (TC) sem contraste é o exame inicial para descartar hemorragia, enquanto a ressonância magnética (RM) com difusão é mais sensível para infartos precoces. A angiotomografia ou angio-RM identifica oclusões vasculares.
Exames complementares: Ecocardiograma transesofágico detecta fontes cardioembólicas, como trombos ou FOP. Testes de trombofilia (ex.: fator V Leiden, anticorpos antifosfolípides) são indicados em jovens ou casos criptogênicos. Holter de 24-72 horas monitora FA paroxística.
Um estudo de 2020 mostrou que a RM aumentou a detecção de AVCs pequenos em 20%, enquanto o ecocardiograma identificou fontes cardioembólicas em 25% dos casos criptogênicos.
Manejo
O manejo agudo inclui trombólise com alteplase (dentro de 4,5 horas do início dos sintomas) ou trombectomia mecânica (até 24 horas em oclusões de grandes vasos), com taxas de recanalização de 70-80%. A prevenção secundária envolve anticoagulação em casos cardioembólicos, com DOACs (ex.: apixabana) preferidos à varfarina devido ao menor risco de sangramento intracraniano (0,5% vs. 2%). Um ensaio de 2021 (NAVIGATE-ESUS) demonstrou que rivaroxabana reduziu recorrências em 15% em AVCs criptogênicos com FOP. Antiplaquetários, como aspirina, são usados em AVCs ateroscleróticos.
A profilaxia primária em pacientes com FA utiliza DOACs ou varfarina, guiada pelo escore CHA2DS2-VASc. Um estudo brasileiro de 2023 mostrou que a adesão à anticoagulação em pacientes com FA reduziu AVCs em 30%, mas apenas 60% dos pacientes elegíveis recebiam terapia adequada.
Desafios no Contexto Brasileiro
No Brasil, o manejo de eventos tromboembólicos neurológicos enfrenta barreiras significativas. A disponibilidade de TC e RM é limitada no Sistema Único de Saúde (SUS), com apenas 50% dos pacientes com suspeita de AVC submetidos a imagem em 6 horas, segundo estudo de São Paulo (2022). A trombólise é realizada em menos de 10% dos casos elegíveis devido a atrasos no atendimento e escassez de centros de AVC. O acesso a DOACs é restrito, com custos de R$ 200-300/mês, levando à dependência de varfarina, que exige monitoramento frequente do INR, desafiador em áreas rurais.
A educação de pacientes é insuficiente, com 30% relatando baixa adesão à anticoagulação por falta de orientação, conforme pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (2021). A desigualdade regional agrava o cenário, com o Norte e Nordeste enfrentando maior escassez de neurologistas e infraestrutura.
Perspectivas Futuras
As perspectivas futuras incluem o uso de inteligência artificial (IA) para melhorar o diagnóstico e estratificação de risco. Algoritmos de IA, testados em estudos pilotos no Brasil, alcançaram 90% de acurácia na detecção de oclusões vasculares em TC. Biomarcadores, como microRNAs ou níveis de trombomodulina, podem identificar pacientes de alto risco. A ampliação do acesso a DOACs no SUS, por meio de genéricos, e a criação de redes de telemedicina para monitoramento de FA são prioridades. Ensaios clínicos, como o AXIOMATIC-SSP, investigam novos anticoagulantes, como inibidores do fator XI, com menor risco hemorrágico.
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