Eventos Trombóticos em Pacientes Pediátricos Oncológicos

 Eventos trombóticos em pacientes pediátricos oncológicos


Os eventos trombóticos em pacientes pediátricos oncológicos, incluindo trombose venosa profunda (TVP), embolia pulmonar (EP) e trombose associada a cateter venoso central (CVC), representam uma complicação significativa que aumenta a morbidade e impacta o tratamento do câncer. Crianças com câncer apresentam um risco elevado de tromboembolismo venoso (TEV) devido a fatores como a própria doença, quimioterapia, imobilidade e uso de dispositivos invasivos. A incidência de TEV em pacientes pediátricos oncológicos varia de 2% a 16%, sendo mais alta em leucemias, linfomas e sarcomas. Este texto analisa os mecanismos, fatores de risco, estratégias de manejo, desafios e perspectivas futuras para eventos trombóticos em crianças com câncer, com base em evidências atuais e implicações clínicas.

Mecanismos Fisiopatológicos

O risco de trombose em pacientes pediátricos oncológicos resulta de uma interação complexa entre fatores da tríade de Virchow: estase venosa, lesão endotelial e hipercoagulabilidade. O câncer induz um estado pró-trombótico por meio da liberação de fatores pró-coagulantes, como fator tecidual, pelas células tumorais, especialmente em leucemia linfoblástica aguda (LLA) e tumores sólidos. A quimioterapia, incluindo agentes como L-asparaginase e corticosteroides, frequentemente usados na LLA, reduz níveis de antitrombina e proteína C, exacerbando a hipercoagulabilidade. Um estudo de 2020 mostrou que a L-asparaginase aumenta o risco de trombose em 5 vezes em crianças com LLA, devido à supressão de inibidores naturais da coagulação.

A lesão endotelial é agravada pelo uso de CVCs, essenciais para administração de quimioterapia, mas associados a 50-70% dos casos de TEV pediátrico oncológico. A estase venosa, decorrente de imobilidade prolongada ou compressão vascular por massas tumorais, também contribui. Além disso, a inflamação sistêmica, com elevação de citocinas como interleucina-6 (IL-6), amplifica a ativação plaquetária e a formação de trombos. Marcadores como D-dímero elevado (>500 ng/mL) são comuns, mas inespecíficos, dificultando o diagnóstico em crianças.

Fatores de Risco

Os fatores de risco para TEV em pacientes pediátricos oncológicos incluem tipo de câncer, tratamento, características do paciente e dispositivos médicos. Leucemias, especialmente LLA, e sarcomas estão entre os tumores de maior risco, com incidências de TEV de 10-15%. A quimioterapia intensiva, particularmente com L-asparaginase, aumenta o risco em até 8 vezes, segundo uma meta-análise de 2021. Pacientes adolescentes (10-18 anos) apresentam maior probabilidade de trombose do que crianças mais novas, possivelmente devido a alterações hormonais e maior massa corporal.

O uso de CVC é o fator de risco mais significativo, com 60% dos eventos trombóticos relacionados a esses dispositivos. Outros fatores incluem infecções, obesidade e história familiar de trombofilia, embora mutações como fator V Leiden sejam menos relevantes em crianças do que em adultos. Um estudo brasileiro de 2022 identificou que 20% dos pacientes pediátricos oncológicos com TEV apresentavam infecções concomitantes, sugerindo que a sepse agrava o estado pró-trombótico.

Diagnóstico e Manifestações Clínicas

O diagnóstico de TEV em crianças com câncer é desafiador devido a sintomas inespecíficos e sobreposição com complicações oncológicas. Trombose associada a CVC pode se manifestar como edema, dor ou disfunção do cateter, enquanto EP pode apresentar dispneia ou hipóxia, facilmente confundidas com pneumonia. O ultrassom Doppler é o exame de escolha para TVP, com sensibilidade de 90%, enquanto a tomografia computadorizada de angiografia pulmonar confirma EP. Níveis elevados de D-dímero têm alto valor preditivo negativo, mas baixa especificidade, exigindo confirmação por imagem.

Estratégias de Manejo

O manejo de TEV em pacientes pediátricos oncológicos envolve profilaxia, tratamento anticoagulante e gerenciamento de complicações. A profilaxia com heparina de baixo peso molecular (HBPM), como enoxaparina, é recomendada em crianças de alto risco, como aquelas com LLA em uso de L-asparaginase ou CVC. No entanto, ensaios como o PROTEKT não demonstraram redução significativa de TEV com profilaxia universal, sugerindo que a seleção de pacientes com base em escores de risco, como o de Khorana adaptado, é mais eficaz. Um estudo de 2023 mostrou que profilaxia direcionada reduziu a incidência de TEV em 30% em crianças com LLA.

Para TEV confirmado, a HBPM é o tratamento de escolha, administrada por 3-6 meses, com doses ajustadas pelo peso (1 mg/kg a cada 12 horas). Anticoagulantes orais diretos (DOACs), como rivaroxabana, estão em investigação, mas seu uso em pediatria é limitado pela falta de dados robustos. O estudo EINSTEIN-Jr demonstrou que rivaroxabana foi não inferior à HBPM em crianças, mas apenas 10% dos participantes eram oncológicos, exigindo mais pesquisas. A remoção de CVC trombosado é evitada, salvo infecção ou disfunção persistente, para minimizar interrupções na quimioterapia.

O risco de sangramento é uma preocupação, especialmente em pacientes com trombocitopenia induzida por quimioterapia. Um estudo de 2021 relatou que 5% das crianças em uso de HBPM para TEV apresentaram sangramento maior, exigindo monitoramento hematológico rigoroso. Estratégias como transfusão de plaquetas em pacientes com contagens <50.000/µL ajudam a mitigar esse risco.

Desafios no Contexto Brasileiro

No Brasil, o manejo de TEV em pacientes pediátricos oncológicos enfrenta barreiras significativas. A disponibilidade de HBPM no Sistema Único de Saúde (SUS) é limitada, e os custos de tratamento prolongado sobrecarregam famílias de baixa renda. A escassez de centros especializados em hematologia pediátrica, especialmente em regiões rurais, dificulta o diagnóstico e o acompanhamento. Um estudo em hospitais públicos de São Paulo mostrou que apenas 60% dos pacientes com suspeita de TEV realizaram exames de imagem devido à falta de equipamentos. Além disso, a ausência de diretrizes nacionais específicas para TEV pediátrico oncológico leva a variações no manejo, com alguns centros utilizando doses inadequadas de anticoagulantes.

Perspectivas Futuras

As perspectivas futuras incluem o desenvolvimento de escores de risco validados para crianças com câncer, integrando biomarcadores como D-dímero e fator de von Willebrand. A inteligência artificial (IA) pode otimizar a predição de TEV, com um estudo piloto no Brasil alcançando 85% de acurácia ao combinar dados clínicos e laboratoriais. Ensaios clínicos sobre DOACs em pediatria oncológica, como o estudo DIVERSITY, estão em andamento e podem expandir as opções terapêuticas. A ampliação do acesso a HBPM no SUS e a capacitação de profissionais em hematologia pediátrica são prioridades para melhorar os desfechos.

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Os eventos trombóticos em pacientes pediátricos oncológicos são uma complicação grave, impulsionada por hipercoagulabilidade, lesão endotelial e estase venosa. A LLA, o uso de CVC e a quimioterapia são os principais fatores de risco, com incidências de TEV de até 16%. A HBPM é o padrão de tratamento, mas desafios como sangramento, acesso limitado e falta de diretrizes no Brasil dificultam o manejo. Avanços em biomarcadores, IA e políticas públicas podem aprimorar a prevenção e o tratamento, reduzindo a morbidade e melhorando a qualidade de vida dessas crianças.


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