Investigação de novas moléculas anticoagulantes em fase pré-clínica

 Investigação de novas moléculas anticoagulantes em fase pré-clínica


As doenças cardiovasculares (DCVs) representam a principal causa de morbimortalidade em escala global, impondo um ônus significativo aos sistemas de saúde e à qualidade de vida da população. Dentro do espectro das DCVs, as condições tromboembólicas, como a trombose venosa profunda (TVP), o tromboembolismo pulmonar (TEP), o acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi) e a fibrilação atrial (FA) com risco de tromboembolismo sistêmico, demandam estratégias terapêuticas eficazes para a prevenção e o tratamento. Os anticoagulantes, fármacos que inibem a formação de coágulos sanguíneos, desempenham um papel crucial no manejo dessas condições.

Os anticoagulantes atualmente disponíveis, como a varfarina, as heparinas (não fracionada e de baixo peso molecular), o fondaparinux e os anticoagulantes orais diretos (DOACs), revolucionaram a prática clínica. No entanto, apesar de sua eficácia, esses fármacos apresentam limitações importantes. A varfarina, um antagonista da vitamina K, possui uma janela terapêutica estreita, necessitando de monitorização frequente da coagulação (RNI) e apresentando interações medicamentosas e alimentares significativas. As heparinas requerem administração parenteral, o que pode ser inconveniente para o uso a longo prazo, e estão associadas ao risco de trombocitopenia induzida pela heparina (TIH). Embora os DOACs ofereçam vantagens em relação à varfarina, como posologia fixa e menor necessidade de monitorização, eles ainda carregam o risco de sangramento, especialmente em pacientes com comorbidades ou em uso concomitante de outros medicamentos. Além disso, o desenvolvimento de antídotos específicos para alguns DOACs ainda é limitado ou oneroso.

Diante dessas limitações, a busca por novas moléculas anticoagulantes com perfis de segurança e eficácia aprimorados permanece uma área de intensa investigação. A fase pré-clínica dessa pesquisa envolve uma série de etapas cruciais para avaliar o potencial terapêutico e a segurança das novas moléculas antes de sua avaliação em seres humanos. Essa fase compreende estudos in vitro e in vivo que visam elucidar o mecanismo de ação, a farmacocinética, a farmacodinâmica e a toxicidade das substâncias candidatas.

Os estudos in vitro são realizados em sistemas biológicos simplificados, como tubos de ensaio, placas de cultura celular e sistemas enzimáticos isolados. Nessas plataformas, as novas moléculas anticoagulantes são testadas quanto à sua capacidade de inibir diferentes etapas da cascata de coagulação, como a ativação de fatores de coagulação (por exemplo, fator Xa, trombina), a agregação plaquetária e a formação de fibrina. Ensaios enzimáticos permitem determinar a afinidade e a seletividade das moléculas pelos seus alvos terapêuticos, enquanto ensaios celulares avaliam o impacto das substâncias em células relevantes para a hemostasia, como plaquetas e células endoteliais. Além disso, estudos in vitro podem fornecer informações preliminares sobre o metabolismo e a estabilidade das moléculas.

Avançando na fase pré-clínica, os estudos in vivo são conduzidos em modelos animais relevantes para as condições tromboembólicas humanas. Esses modelos permitem avaliar a eficácia das novas moléculas na prevenção e no tratamento de trombose em um sistema biológico complexo, levando em consideração a interação com outros sistemas fisiológicos. Diversos modelos animais são utilizados, incluindo modelos de trombose venosa (induzida por ligadura ou lesão vascular), trombose arterial (induzida por lesão endotelial ou estenose), embolia pulmonar e modelos de acidente vascular cerebral. Nesses estudos, parâmetros como o tamanho do trombo, o tempo de oclusão vascular e marcadores de ativação da coagulação são avaliados para determinar a eficácia anticoagulante das novas moléculas.

Paralelamente à avaliação da eficácia, a segurança das novas moléculas é rigorosamente investigada em estudos in vivo. Avaliações de toxicidade aguda e crônica são realizadas para determinar a dose máxima tolerada, identificar possíveis efeitos adversos em diferentes órgãos e sistemas, e caracterizar o perfil toxicológico das substâncias. Estudos de farmacocinética e farmacodinâmica em animais são essenciais para compreender a absorção, a distribuição, o metabolismo e a excreção das moléculas (ADME), bem como a relação entre a concentração plasmática do fármaco e o seu efeito anticoagulante. Esses dados são cruciais para estabelecer regimes de dosagem seguros e eficazes para futuros estudos em humanos.

A busca por novas moléculas anticoagulantes em fase pré-clínica abrange uma variedade de abordagens e alvos terapêuticos. Uma das estratégias é o desenvolvimento de inibidores seletivos de fatores da coagulação, visando minimizar os efeitos colaterais associados à inibição de múltiplos alvos. Por exemplo, inibidores altamente seletivos do fator XIa estão sendo investigados como potenciais anticoagulantes com menor risco de sangramento em comparação com os anticoagulantes atuais. O fator XIa desempenha um papel importante na propagação do trombo, mas parece ter uma contribuição menor na hemostasia fisiológica.

Outra área de interesse é o desenvolvimento de moléculas que atuam em novas vias da coagulação ou em componentes celulares envolvidos na trombogênese, como as plaquetas e o endotélio. A inibição da via de contato, mediada pelo fator XIIa, e a modulação da função plaquetária através de novos alvos moleculares são exemplos de abordagens promissoras. Além disso, o desenvolvimento de anticoagulantes com mecanismos de ação inovadores, como a modulação da fibrinólise (o processo natural de dissolução do coágulo) ou a interação com componentes específicos da matriz extracelular envolvidos na trombose, também está sendo explorado.

Avanços tecnológicos têm impulsionado a descoberta e o desenvolvimento de novas moléculas anticoagulantes. Técnicas de triagem de alto rendimento (HTS) permitem avaliar rapidamente um grande número de compostos quanto à sua atividade anticoagulante in vitro. A modelagem molecular e o planejamento de fármacos baseados na estrutura (SBDD) auxiliam na otimização das propriedades farmacológicas e farmacocinéticas das moléculas candidatas. A utilização de modelos animais mais sofisticados e preditivos, incluindo modelos humanizados e modelos transgênicos, contribui para uma melhor avaliação da eficácia e segurança pré-clínica.

Portanto a investigação de novas moléculas anticoagulantes em fase pré-clínica é um campo dinâmico e essencial para superar as limitações dos anticoagulantes atualmente disponíveis e oferecer terapias mais seguras e eficazes para a prevenção e o tratamento de condições tromboembólicas. Os estudos in vitro e in vivo desempenham um papel fundamental na elucidação do mecanismo de ação, na avaliação da eficácia e na caracterização do perfil de segurança das novas moléculas candidatas. O sucesso dessa fase pré-clínica é crucial para o avanço dessas moléculas para os estudos clínicos em humanos, com o potencial de transformar o manejo das doenças cardiovasculares e melhorar a qualidade de vida de milhões de pacientes em todo o mundo. A contínua inovação nessa área é fundamental para enfrentar o crescente desafio das doenças tromboembólicas e suas graves consequências para a saúde pública.







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