Prevalência de trombofilias hereditárias em pacientes com TEV recorrente

 Prevalência de trombofilias hereditárias em pacientes com TEV recorrente


O tromboembolismo venoso (TEV), que engloba trombose venosa profunda (TVP) e embolia pulmonar (EP), é uma condição com significativa morbimortalidade, especialmente em pacientes com episódios recorrentes. As trombofilias hereditárias, caracterizadas por alterações genéticas que predispõem à hipercoagulabilidade, são fatores de risco importantes para TEV recorrente, com prevalência variando entre populações e contextos clínicos. As principais trombofilias hereditárias incluem a mutação do fator V Leiden (FVL), a mutação G20210A no gene da protrombina, deficiências de proteína C, proteína S e antitrombina, além de hiper-homocisteinemia associada a polimorfismos no gene MTHFR. A identificação dessas condições é crucial para personalizar o manejo e prevenir recorrências, mas a triagem universal permanece controversa devido ao custo e à baixa prevalência em algumas populações. Este texto analisa a prevalência de trombofilias hereditárias em pacientes com TEV recorrente, os fatores de risco associados, os métodos diagnósticos, os desafios no manejo e as perspectivas futuras, com ênfase em evidências clínicas e implicações no contexto brasileiro.

Epidemiologia e Contexto Clínico

A prevalência global de TEV recorrente varia de 10% a 30% nos primeiros 5 anos após o primeiro evento, com maior risco em pacientes com trombofilias hereditárias. Estudos estimam que 20-50% dos casos de TEV idiopático (sem fatores desencadeantes claros, como cirurgia ou imobilização) estão associados a trombofilias. Um estudo multicêntrico de 2020 relatou que 25% dos pacientes com TEV recorrente apresentavam pelo menos uma trombofilia hereditária, com FVL sendo a mais comum em populações caucasianas (prevalência de 15-20% em casos de TEV). A mutação da protrombina é encontrada em 5-10% dos casos, enquanto deficiências de proteína C, S e antitrombina são raras, afetando <5% dos pacientes.

No Brasil, a prevalência de trombofilias hereditárias é influenciada pela diversidade genética. O FVL tem prevalência de 2-4% em indivíduos de ascendência europeia, mas é raro (<1%) em afrodescendentes e indígenas. A mutação da protrombina é menos comum (1-2%), enquanto deficiências de antitrombina e proteína C são identificadas em <1% dos casos de TEV recorrente, segundo dados do Registro Brasileiro de Coagulopatias (2022). A hiper-homocisteinemia, associada a variantes C677T e A1298C do gene MTHFR, é mais prevalente (10-15%), mas sua relevância clínica é debatida devido à influência de fatores ambientais, como deficiência de folato.

Trombofilias Hereditárias e Risco de Recorrência

As trombofilias hereditárias aumentam o risco de TEV recorrente ao alterar o equilíbrio hemostático. O FVL, causado pela mutação G1691A no gene F5, torna o fator Va resistente à inativação pela proteína C ativada, elevando o risco de TEV em 5-7 vezes em heterozigotos e 50-80 vezes em homozigotos. A mutação G20210A no gene da protrombina aumenta os níveis de protrombina, conferindo risco 2-3 vezes maior. Deficiências de proteína C e S, resultantes de mutações nos genes PROC e PROS1, comprometem a inibição da coagulação, com risco relativo de 5-10. A deficiência de antitrombina, associada a mutações no gene SERPINC1, é a trombofilia mais grave, com risco de TEV 20-50 vezes maior, embora seja rara.

A hiper-homocisteinemia, frequentemente ligada a polimorfismos no MTHFR, eleva o risco de TEV em 2 vezes, mas sua associação com recorrência é menos clara. Um estudo de 2021 mostrou que pacientes com TEV recorrente e homocisteína >15 µmol/L apresentavam maior probabilidade de novos eventos, especialmente na presença de outros fatores, como FVL. A combinação de múltiplas trombofilias, observada em 5-10% dos casos, amplifica o risco, com taxas de recorrência de até 40% em 5 anos.

Fatores clínicos, como sexo, idade e gatilhos ambientais, modulam o risco. Mulheres jovens com FVL que usam contraceptivos orais têm risco de TEV 30-35 vezes maior, enquanto a gravidez aumenta o risco em 8 vezes. Um estudo brasileiro de 2022 revelou que 20% dos casos de TEV recorrente em mulheres <40 anos foram associados a FVL e uso de contraceptivos. Homens apresentam maior risco de recorrência idiopática, possivelmente devido a fatores hormonais e maior prevalência de obesidade.

Diagnóstico de Trombofilias Hereditárias

O diagnóstico de trombofilias em pacientes com TEV recorrente envolve testes funcionais e genéticos. A triagem é indicada em casos de TEV idiopático, trombose em locais incomuns (ex.: veia mesentérica), história familiar de trombose ou complicações obstétricas (ex.: abortos recorrentes). Os principais testes incluem:

Testes funcionais: Avaliam a atividade de proteína C, proteína S e antitrombina, além da resistência à proteína C ativada (RPCA) para detectar FVL. O teste de RPCA tem sensibilidade de 90%, mas pode ser afetado por anticoagulantes.

Testes genéticos: A genotipagem por PCR em tempo real identifica mutações FVL (rs6025) e G20210A, com especificidade de 99%. O sequenciamento de próxima geração (NGS) é usado para mutações raras em PROC, PROS1 e SERPINC1.

Homocisteína sérica: Níveis >15 µmol/L sugerem hiper-homocisteinemia, mas requerem avaliação de fatores nutricionais.

Um estudo de 2020 mostrou que 30% dos pacientes com TEV recorrente tinham resultados falsos positivos em testes funcionais devido a inflamação ou uso de varfarina, destacando a importância de testes genéticos confirmatórios. No Brasil, a disponibilidade de NGS é limitada a centros terciários, com apenas 20% dos casos de TEV recorrente submetidos a painéis genéticos amplos, segundo dados de 2023.

Manejo e Prevenção de TEV Recorrente

O manejo de pacientes com TEV recorrente e trombofilias hereditárias foca no tratamento agudo, prevenção secundária e manejo de fatores de risco. A terapia inicial envolve heparina de baixo peso molecular (HBPM, ex.: enoxaparina 1 mg/kg a cada 12 horas) ou anticoagulantes orais diretos (DOACs, ex.: rivaroxabana 15 mg duas vezes ao dia por 21 dias), seguida de manutenção por 3-6 meses. Em pacientes com FVL homozigoto, deficiência de antitrombina ou múltiplas trombofilias, a anticoagulação indefinida é considerada, balanceando o risco hemorrágico (escore HAS-BLED). Um ensaio de 2022 demonstrou que apixabana reduziu a recorrência de TEV em 65% em pacientes com trombofilias, com taxa de sangramento de 2%.

A profilaxia é indicada em situações de alto risco, como cirurgias, gravidez ou imobilização, usando HBPM (ex.: enoxaparina 40 mg/dia). Mulheres com trombofilias devem evitar contraceptivos orais combinados, optando por métodos não hormonais. A suplementação de folato e vitamina B12 pode reduzir a homocisteína, mas não há evidências robustas de impacto na recorrência de TEV.

Desafios no Contexto Brasileiro

No Brasil, o manejo de trombofilias em pacientes com TEV recorrente enfrenta barreiras significativas. O acesso a testes genéticos é restrito, com custos de R$ 1.000-3.000 por painel, não cobertos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A varfarina, embora acessível, exige monitoramento frequente do INR, difícil em áreas rurais, enquanto os DOACs, mais convenientes, custam até R$ 300/mês. Um estudo em hospitais públicos de São Paulo (2023) mostrou que 25% dos pacientes com TEV recorrente interromperam a anticoagulação por dificuldades logísticas, aumentando o risco de novos eventos. A falta de diretrizes nacionais específicas leva a variações no manejo, com alguns centros realizando triagem desnecessária em casos de TEV provocado.

Perspectivas Futuras

As perspectivas futuras incluem o uso de NGS para identificar novas variantes associadas a trombofilias, ampliando o entendimento genético. A inteligência artificial (IA) pode otimizar a estratificação de risco, integrando dados genéticos, clínicos e laboratoriais. Um estudo piloto no Brasil alcançou 90% de acurácia na previsão de TEV recorrente usando IA. A incorporação de DOACs no SUS e o desenvolvimento de anticoagulantes com menor risco hemorrágico, como inibidores do fator XI, são prioridades. Campanhas de educação médica e a criação de registros nacionais podem melhorar a detecção e o manejo.

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As trombofilias hereditárias, especialmente o fator V Leiden e a mutação da protrombina, são fatores de risco significativos para TEV recorrente, com prevalência de 20-50% em casos idiopáticos. A triagem com testes funcionais e genéticos é essencial, mas enfrenta desafios no Brasil devido ao custo e à infraestrutura limitada. O manejo combina anticoagulação e profilaxia, mas barreiras logísticas e econômicas dificultam os desfechos. Avanços em genômica, IA e políticas públicas prometem aprimorar a prevenção e o tratamento, reduzindo a morbimortalidade associada ao TEV recorrente em pacientes com trombofilias.





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