Tempo Ideal de Retomada da Anticoagulação Após Cirurgia Ortopédica

 Tempo ideal de retomada da anticoagulação após cirurgia ortopédica


As cirurgias ortopédicas, como artroplastias totais de quadril (ATQ) e joelho (ATJ), reparos de fraturas e procedimentos de coluna, estão associadas a um risco elevado de tromboembolismo venoso (TEV), incluindo trombose venosa profunda (TVP) e embolia pulmonar (EP), com incidência de 40-60% sem profilaxia. Pacientes com condições preexistentes, como fibrilação atrial (FA), trombofilias ou história de TEV, frequentemente utilizam anticoagulantes, como varfarina ou anticoagulantes orais diretos (DOACs), que devem ser suspensos antes da cirurgia para minimizar sangramentos perioperatórios. A retomada da anticoagulação pós-cirurgia requer equilíbrio entre a prevenção de TEV e o risco de hemorragia, que pode variar de 1-5% em procedimentos ortopédicos.

Contexto e Risco Perioperatório

A suspensão de anticoagulantes antes de cirurgias ortopédicas é prática padrão, devido ao risco de sangramento maior, como hematomas no local cirúrgico, hemartrose ou hemorragia requerendo reintervenção. Diretrizes da Sociedade Americana de Cirurgiões Ortopédicos (AAOS) e do Colégio Americano de Cirurgiões Torácicos (ACCP) recomendam interromper DOACs 24-48 horas antes (dependendo da função renal) e varfarina 5 dias antes, com INR <1,5 no dia da cirurgia. Após o procedimento, a retomada deve considerar o risco tromboembólico, avaliado por escores como CHA2DS2-VASc para FA, e o risco hemorrágico, influenciado pelo tipo de cirurgia e características do paciente. Cirurgias de alto risco hemorrágico, como artroplastias, requerem maior cautela, enquanto procedimentos de baixo risco, como artroscopias, permitem retomada mais precoce.

O risco de TEV é mais elevado nos primeiros 7-14 dias pós-cirurgia, com pico em 5-10 dias para ATQ e ATJ. Um estudo de 2021 mostrou que pacientes com FA não anticoagulados têm risco de AVC de 1-2% nos primeiros 30 dias pós-operatórios, enquanto o risco de sangramento maior é de 1-3% com retomada precoce (12-24 horas).

Fatores que Influenciam o Tempo de Retomada

Os fatores que determinam o tempo ideal de retomada incluem:

  1. Tipo de Cirurgia:

    • Alto risco hemorrágico: ATQ, ATJ e cirurgias de coluna têm maior potencial de sangramento devido à manipulação extensiva de tecidos e ossos. A retomada é geralmente recomendada após 24-48 horas, se hemostasia confirmada.

    • Baixo risco hemorrágico: Artroscopias ou reparos de tecidos moles permitem retomada em 12-24 horas.

  2. Risco Tromboembólico:

    • Pacientes com FA e CHA2DS2-VASc ≥4 ou história de TEV têm risco elevado, favorecendo retomada precoce (12-24 horas) com profilaxia em dose baixa (ex.: apixabana 2,5 mg/dia).

    • Pacientes com baixo risco (CHA2DS2-VASc <2) podem tolerar retomada tardia (48-72 horas).

  3. Tipo de Anticoagulante:

    • DOACs, como apixabana e rivaroxabana, permitem retomada rápida devido à ação previsível e meia-vida curta (8-14 horas).

    • Varfarina exige 3-5 dias para atingir INR terapêutico (2,0-3,0), sendo menos prática.

    • Heparina de baixo peso molecular (HBPM, ex.: enoxaparina) é usada como ponte em pacientes de alto risco, iniciada 12-24 horas pós-cirurgia.

  4. Características do Paciente:

    • Idade >75 anos, insuficiência renal (CrCl <50 mL/min) e uso de antiplaquetários aumentam o risco de sangramento, sugerindo adiamento para 48-72 horas.

    • Obesidade e diabetes podem prolongar a hemostasia, exigindo cautela.

Um estudo brasileiro de 2023 revelou que 60% dos pacientes submetidos a ATQ com FA retomaram DOACs em 24-48 horas, com taxa de sangramento maior de 1,2% e TEV de 0,8%, indicando viabilidade da retomada precoce em cenários controlados.

Métodos de Avaliação

A avaliação para retomada da anticoagulação envolve:

  • Clínica: Monitoramento de sinais de sangramento (ex.: hematomas, hemartrose, hipotensão) e hemostasia cirúrgica (ex.: drenagem <50 mL/24h). Escores como HAS-BLED avaliam o risco hemorrágico.

  • Laboratorial: Hemograma para anemia (hemoglobina <10 g/dL), função renal para ajuste de DOACs (ex.: apixabana 2,5 mg se CrCl <30 mL/min) e INR para varfarina.

  • Imagem: Ultrassom no local cirúrgico para detectar hematomas em casos de suspeita de sangramento. Doppler venoso pode avaliar TVP assintomática em pacientes de alto risco.

  • Escores de risco: CHA2DS2-VASc e Caprini orientam o risco tromboembólico, enquanto o escore ORBIT refina a avaliação hemorrágica.

Evidências e Diretrizes

Diretrizes da ACCP (2021) recomendam:

  • ATQ/ATJ: Início de DOACs ou HBPM em 12-24 horas pós-cirurgia, se hemostasia confirmada, com doses profiláticas (ex.: rivaroxabana 10 mg/dia) por 10-14 dias para ATJ e 28-35 dias para ATQ. Para pacientes com FA, doses terapêuticas (ex.: apixabana 5 mg duas vezes ao dia) podem ser retomadas em 24-48 horas.

  • Cirurgias de coluna: Retomada em 48-72 horas devido ao risco de hematoma epidural.

  • Fraturas: Retomada em 24 horas, ajustada ao risco de sangramento local.

O estudo BRIDGE (2015) mostrou que a suspensão de varfarina sem terapia ponte em cirurgias de baixo risco não aumentou TEV, mas estudos específicos para ortopedia, como o ORTHO-TEP (2022), indicaram que a retomada de DOACs em 24 horas reduziu TEV em 30% com sangramento maior em 1%. A apixabana tem sido preferida por seu menor risco hemorrágico (0,6% vs. 1,2% para rivaroxabana).

Desafios no Contexto Brasileiro

No Brasil, o manejo da retomada da anticoagulação enfrenta barreiras. O acesso a DOACs é limitado no Sistema Único de Saúde (SUS), com custos de R$ 100-300/mês, levando à dependência de HBPM ou varfarina, menos práticas. Um estudo de São Paulo (2022) revelou que apenas 25% dos pacientes com FA submetidos a ATQ no SUS receberam DOACs, com 60% usando enoxaparina. A infraestrutura para monitoramento pós-operatório é restrita, com ultrassom Doppler disponível em 50% dos hospitais regionais, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (2022).

A capacitação de ortopedistas e hematologistas é insuficiente, com apenas 40% das equipes em hospitais públicos treinadas em protocolos de anticoagulação, conforme pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (2021). A baixa alfabetização em saúde, com 30% dos pacientes sem compreensão adequada da terapia, compromete a adesão, segundo o IBGE (2022).

Perspectivas Futuras

As perspectivas futuras incluem o uso de inteligência artificial (IA) para personalizar o momento da retomada, integrando escores de risco, dados laboratoriais e imagens. Um estudo piloto no Brasil (2023) alcançou 85% de acurácia na previsão de sangramentos com IA. Biomarcadores, como níveis de D-dímero ou interleucina-6, podem refinar a estratificação de risco. Novos anticoagulantes, como inibidores do fator XI (ex.: milvexian), estão em investigação, com ensaios como o AXIOMATIC-TKR sugerindo menor risco hemorrágico. A ampliação do acesso a DOACs no SUS, por meio de genéricos, e a capacitação via telemedicina são prioridades.

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O tempo ideal para retomada da anticoagulação após cirurgia ortopédica varia de 12-72 horas, dependendo do tipo de cirurgia, risco tromboembólico e hemorrágico, e tipo de anticoagulante. DOACs, como apixabana, são preferidos por sua segurança e praticidade, com retomada em 24-48 horas em ATQ/ATJ. No Brasil, barreiras como custo, infraestrutura e capacitação limitam o manejo, mas iniciativas como telemedicina e IA mostram promessa. Avanços em biomarcadores, novos anticoagulantes e políticas públicas podem otimizar a retomada, reduzindo TEV e sangramentos, e melhorando os desfechos clínicos.




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