Tromboprofilaxia em Cirurgias de Urgência: adesão e desafios

 Tromboprofilaxia em Cirurgias de Urgência: adesão e desafios



As cirurgias de urgência, como apendicectomias, colecistectomias, reparos de fraturas e procedimentos por trauma abdominal, estão associadas a um risco elevado de tromboembolismo venoso (TEV), incluindo trombose venosa profunda (TVP) e embolia pulmonar (EP). A incidência de TEV sem profilaxia em cirurgias de urgência varia de 15-40%, com EP fatal em 0,2-2%, segundo meta-análise de 2020. A tromboprofilaxia, que inclui métodos farmacológicos, como heparina de baixo peso molecular (HBPM) e anticoagulantes orais diretos (DOACs), e mecânicos, como meias de compressão graduada, é essencial para reduzir esses eventos. No entanto, a adesão à tromboprofilaxia em cirurgias de urgência é frequentemente subótima devido à natureza emergencial dos procedimentos, contraindicações hemorrágicas e barreiras logísticas. 

Contexto e Importância da Tromboprofilaxia

As cirurgias de urgência diferem das eletivas por sua imprevisibilidade, menor tempo para planejamento e maior prevalência de fatores de risco, como trauma, inflamação aguda e imobilização. A tríade de Virchow – estase venosa, lesão endotelial e hipercoagulabilidade – é exacerbada em cenários de trauma ou infecção, como peritonite ou fraturas pélvicas, aumentando o risco de TEV. Diretrizes do Colégio Americano de Cirurgiões Torácicos (ACCP) e da Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia (ISTH) recomendam tromboprofilaxia em pacientes de risco moderado a alto, avaliados por escores como o Caprini, que considera fatores como idade, obesidade, cirurgia de emergência e imobilização. A HBPM (ex.: enoxaparina 40 mg/dia) é o padrão, com DOACs (ex.: rivaroxabana 10 mg/dia) emergindo como alternativa em casos selecionados. Métodos mecânicos, como compressão pneumática intermitente (CPI), são usados quando a anticoagulação é contraindicada.

A efetividade da tromboprofilaxia é bem estabelecida. Um estudo de 2021 demonstrou que a HBPM reduz a incidência de TEV em cirurgias de urgência em 60%, com taxas de sangramento maior de 1-2%. No entanto, a adesão varia globalmente, com taxas de 40-80% em hospitais de alta complexidade e <30% em centros de baixa infraestrutura, segundo revisão de 2022. No Brasil, dados do Registro Nacional de Cirurgia (2023) indicam que apenas 50% dos pacientes submetidos a cirurgias de urgência recebem profilaxia adequada, refletindo desafios estruturais e clínicos.

Métodos de Tromboprofilaxia

Farmacológicos:

HBPM: Enoxaparina ou dalteparina, iniciadas 12-24 horas após a cirurgia, se hemostasia confirmada, por 7-14 dias. São eficazes, mas requerem administração subcutânea, reduzindo a adesão em 10-15% dos pacientes.
DOACs: Rivaroxabana e apixabana, administradas oralmente, têm adesão superior (85-90%) e eficácia semelhante à HBPM, com risco de sangramento de 0,5-1,5%. Um estudo de 2020 mostrou que rivaroxabana reduziu TEV em 25% em colecistectomias de urgência.
Varfarina: Menos utilizada devido à necessidade de monitoramento do INR e início lento de ação.
MecânicosMeias de compressão graduada: Reduzem estase venosa, com eficácia de 20-30% quando usadas isoladamente.
CPI: Aumenta o fluxo venoso, com redução de TVP em 40% em pacientes imobilizados. É indicada em casos de alto risco hemorrágico, como traumatismo cranioencefálico (TCE).

Fatores que Influenciam a Adesão

A adesão à tromboprofilaxia em cirurgias de urgência é influenciada por fatores clínicos, institucionais e logísticos:
Contraindicações hemorrágicas: TCE, hemorragia intra-abdominal ou fraturas expostas contraindicam a anticoagulação em 20-30% dos pacientes nas primeiras 48 horas, exigindo métodos mecânicos, que são subutilizados devido à falta de equipamentos. Um estudo de 2021 relatou que 40% dos pacientes com contraindicações não receberam CPI por indisponibilidade.
Natureza emergencial: O tempo limitado para avaliação pré-operatória impede a aplicação de escores de risco, como Caprini, em 50% dos casos, segundo pesquisa de 2022. Isso leva à subestimação do risco de TEV.
Falta de protocolos institucionais: Apenas 30% dos hospitais públicos brasileiros têm protocolos padronizados de tromboprofilaxia, conforme estudo do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (2023).
Capacitação insuficiente: Cirurgiões e equipes de trauma frequentemente priorizam a estabilização do paciente, negligenciando a profilaxia. Um estudo de São Paulo (2022) mostrou que apenas 35% dos cirurgiões gerais receberam treinamento em TEV.
Adesão do paciente: A administração subcutânea de HBPM e a necessidade de continuidade pós-alta reduzem a adesão em 20%, especialmente em populações com baixa alfabetização em saúde.

Métodos de Avaliação

A avaliação da adesão e efetividade da tromboprofilaxia envolve:
Clínica: Monitoramento de sinais de TVP (edema, dor, calor) e EP (dispneia, taquicardia). A escala de Wells para TVP tem sensibilidade de 80%, mas baixa especificidade em politraumatizados.
Imagem: Ultrassom Doppler venoso, com sensibilidade e especificidade >95%, é o padrão para confirmar TVP. Tomografia pulmonar é usada para EP. Um estudo de 2023 mostrou que a triagem sistemática com Doppler reduziu diagnósticos tardios de TVP em 30%.
Laboratorial: Níveis de D-dímero >500 ng/mL têm alta sensibilidade (90%), mas baixa especificidade em cirurgias de urgência devido à inflamação. Hemograma e função renal monitoram complicações como sangramento ou insuficiência renal.
Auditorias institucionais: Avaliação retrospectiva de prontuários para verificar a prescrição e administração de profilaxia. Um estudo brasileiro de 2022 revelou que apenas 60% das prescrições de HBPM foram administradas corretamente.

Desafios no Contexto Brasileiro

No Brasil, a adesão à tromboprofilaxia em cirurgias de urgência enfrenta barreiras significativas:
Infraestrutura limitada: Apenas 50% dos hospitais públicos possuem ultrassom Doppler, e a CPI está disponível em 30% das unidades, segundo dados de 2023. Isso compromete a triagem e o manejo de pacientes com contraindicações farmacológicas.
Custo: A HBPM (R$ 20-50/dose) é mais acessível que DOACs (R$ 100-300/mês), mas a disponibilidade no SUS é irregular, especialmente em áreas rurais. Um estudo de Recife (2022) mostrou que 25% dos pacientes não receberam profilaxia por falta de estoque.
Desigualdade regional: O Norte e Nordeste enfrentam maior escassez de cirurgiões e equipamentos, com adesão à profilaxia de 20-30% versus 60% no Sudeste, conforme pesquisa do Ministério da Saúde (2023).
Educação médica: Apenas 40% das equipes de cirurgia de urgência em hospitais públicos são capacitadas em protocolos de TEV, segundo estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (2021).
Baixa alfabetização em saúde: Cerca de 30% dos brasileiros têm dificuldade em compreender orientações médicas, reduzindo a adesão à profilaxia pós-alta, conforme IBGE (2022).

Estratégias para Melhorar a Adesão

Para aumentar a adesão, são recomendadas:
Protocolos institucionais: Implementação de diretrizes baseadas no escore Caprini, com lembretes eletrônicos em prontuários. Um estudo de 2020 mostrou que protocolos aumentaram a adesão em 25%.
Educação continuada: Treinamento de equipes multidisciplinares, incluindo cirurgiões, enfermeiros e farmacêuticos, para priorizar a profilaxia. Programas no Brasil, como o do Hospital das Clínicas de São Paulo, elevaram a adesão para 80%.
Uso de DOACs: Sua administração oral melhora a adesão, especialmente pós-alta. Ensaios como o ORTHO-TEP (2022) sugerem que rivaroxabana é viável em cirurgias de urgência de baixo risco hemorrágico.
Telemedicina: Monitoramento remoto pós-alta pode aumentar a adesão em áreas rurais, com redução de 15% em interrupções da profilaxia, segundo estudo de 2023.
Auditorias regulares: Avaliação contínua da adesão e feedback às equipes melhoram a conformidade em 20%, conforme pesquisa de 2021.

Perspectivas Futuras

As perspectivas futuras incluem o uso de inteligência artificial (IA) para prever o risco de TEV e otimizar a profilaxia, integrando escores de risco, biomarcadores (ex.: D-dímero) e dados clínicos. Um estudo piloto no Brasil (2023) alcançou 90% de acurácia na identificação de pacientes de alto risco com IA. Novos anticoagulantes, como inibidores do fator XI (ex.: milvexian), estão em investigação, com ensaios como o AXIOMATIC sugerindo menor risco hemorrágico. A ampliação do acesso a HBPM e DOACs no SUS, por meio de genéricos, e a expansão de telemedicina são prioridades. Programas nacionais de capacitação, como os do Programa Nacional de Segurança do Paciente, podem padronizar o cuidado.

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A tromboprofilaxia em cirurgias de urgência é essencial para reduzir o TEV, mas a adesão é limitada por contraindicações hemorrágicas, falta de protocolos, infraestrutura insuficiente e baixa capacitação. A HBPM é o padrão, com DOACs emergindo como alternativa prática. No Brasil, barreiras como custo, desigualdade regional e alfabetização em saúde desafiam a implementação, mas estratégias como protocolos, educação e telemedicina mostram promessa. Avanços em IA, novos anticoagulantes e políticas públicas podem melhorar a adesão e eficácia, reduzindo a morbimortalidade associada ao TEV.

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