Trombose Arterial em Jovens: causas não usuais e investigação
Trombose Arterial em Jovens: causas não usuais e investigação
A trombose arterial em jovens, definida como indivíduos com menos de 45 anos, é uma condição rara, mas potencialmente devastadora, que inclui eventos como infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico e trombose de artérias periféricas. Diferentemente da população idosa, onde a aterosclerose é a principal causa, em jovens as tromboses arteriais estão frequentemente associadas a etiologias não usuais, como trombofilias hereditárias, doenças autoimunes, condições inflamatórias, uso de medicamentos e fatores de risco emergentes, como infecções virais. A incidência de trombose arterial em jovens é estimada em 0,5-1% dos casos de AVC e IAM, mas sua gravidade, com altas taxas de morbidade e mortalidade, exige investigação minuciosa. Este texto analisa as causas não usuais de trombose arterial em jovens, os métodos de investigação, os desafios no diagnóstico e manejo, e as perspectivas futuras, com ênfase em evidências clínicas e implicações no contexto brasileiro.
Causas Não Usuais de Trombose Arterial em Jovens
As causas de trombose arterial em jovens podem ser divididas em categorias principais: trombofilias, doenças inflamatórias, causas iatrogênicas, condições infecciosas e fatores de risco emergentes.
Trombofilias Hereditárias e Adquiridas: Trombofilias, como mutações no fator V Leiden, deficiência de proteína C ou S, e síndrome antifosfolípide (SAF), aumentam o risco de trombose arterial, embora sejam mais associadas a eventos venosos. A SAF, caracterizada por anticorpos antifosfolípides, é uma causa significativa em jovens, com até 20% dos AVC isquêmicos em indivíduos <45 anos atribuídos a essa condição, segundo estudo de 2021. A hiper-homocisteinemia, frequentemente associada a mutações no gene MTHFR, também eleva o risco de trombose arterial, com níveis plasmáticos >15 µmol/L correlacionados a um aumento de 2 vezes no risco de IAM.
Doenças Inflamatórias e Autoimunes: Doenças como lúpus eritematoso sistêmico (LES), vasculites (ex.: arterite de Takayasu) e doença de Behçet estão associadas a trombose arterial devido à inflamação endotelial e ativação plaquetária. Um estudo multicêntrico de 2020 relatou que 15% dos jovens com LES apresentaram trombose arterial, especialmente em presença de anticorpos antifosfolípides. A inflamação crônica eleva citocinas pró-trombóticas, como interleucina-6 (IL-6), promovendo a formação de trombos.
Causas Iatrogênicas e Medicamentosas: O uso de contraceptivos orais combinados (COCs) é uma causa bem estabelecida de trombose arterial em mulheres jovens, aumentando o risco de AVC em 3-4 vezes, especialmente em fumantes ou portadoras de trombofilias. Outros medicamentos, como quimioterápicos (ex.: cisplatina) e estimulantes (ex.: anfetaminas), também estão implicados. Um estudo de 2022 mostrou que 10% dos casos de IAM em jovens foram associados ao uso recreativo de cocaína, que induz vasoespasmo e ativação plaquetária.
Condições Infecciosas: Infecções virais, como HIV e, mais recentemente, SARS-CoV-2, estão associadas a trombose arterial em jovens devido à disfunção endotelial e estado pró-trombótico. Durante a pandemia de COVID-19, jovens sem fatores de risco tradicionais apresentaram IAM e AVC, com uma coorte de 2021 relatando incidência de 2% de trombose arterial em pacientes <45 anos com COVID-19 grave. A infecção por HIV aumenta o risco de trombose em 2 vezes, especialmente em pacientes com carga viral elevada.
Fatores de Risco Emergentes: Condições como dissecção arterial espontânea (ex.: dissecção da artéria carótida) e forame oval patente (FOP) com embolia paradoxal são causas raras, mas relevantes. A dissecção arterial é frequentemente associada a doenças do tecido conjuntivo, como síndrome de Marfan, enquanto o FOP está presente em 25% dos casos de AVC criptogênico em jovens, segundo estudo de 2020. Estilo de vida, incluindo tabagismo e obesidade, também contribui, embora menos que em populações mais velhas.
Investigação Diagnóstica
A investigação de trombose arterial em jovens requer uma abordagem sistemática para identificar causas não usuais, combinando história clínica, exames laboratoriais e de imagem. A anamnese deve explorar:
História pessoal e familiar: Uso de medicamentos (COCs, drogas ilícitas), história de trombose, abortos espontâneos (sugestivos de SAF) e comorbidades (LES, infecções).
Fatores de risco: Tabagismo, hipertensão, dislipidemia e traumas recentes (possível dissecção arterial).
Sintomas: Dor torácica (IAM), déficits neurológicos (AVC) ou isquemia de membros (trombose periférica).
Os exames laboratoriais incluem:
Hemostasia: Hemograma, D-dímero, fibrinogênio e testes de trombofilia (anticorpos antifosfolípides, fator V Leiden, proteína C/S, antitrombina). A homocisteína sérica é avaliada em suspeita de hiper-homocisteinemia.
Marcadores inflamatórios: Proteína C-reativa (PCR) e velocidade de hemossedimentação (VHS) para doenças autoimunes.
Infecções: Sorologias para HIV, hepatites e, em contexto pandêmico, teste para SARS-CoV-2.
Exames de imagem são essenciais para confirmar o diagnóstico e identificar a causa:
Angiotomografia ou ressonância magnética: Avaliam AVC, dissecção arterial ou trombose periférica.
Ecocardiograma transesofágico: Detecta FOP ou trombos cardíacos.
Coronariografia: Indicada em IAM para avaliar obstruções ou vasoespasmo.
Um estudo brasileiro de 2023 mostrou que 30% dos casos de AVC em jovens foram inicialmente classificados como criptogênicos, mas a investigação extensiva identificou SAF ou FOP em 60% desses pacientes, destacando a importância de uma abordagem detalhada.
Manejo e Desafios
O manejo da trombose arterial em jovens envolve tratamento agudo, prevenção secundária e abordagem da causa subjacente. Na fase aguda, a trombólise (ex.: alteplase para AVC) ou intervenção percutânea (ex.: angioplastia para IAM) é indicada, seguida de terapia antitrombótica. Antiplaquetários, como aspirina ou clopidogrel, são padrão para prevenção secundária, enquanto anticoagulantes (varfarina ou DOACs) são usados em SAF ou FOP com embolia paradoxal. Um ensaio de 2021 demonstrou que rivaroxabana foi eficaz na prevenção de recorrência em jovens com AVC associado a FOP, com taxa de sangramento de 2%.
Os desafios incluem o diagnóstico tardio, devido a sintomas atípicos em jovens, e a falta de diretrizes específicas. No Brasil, a disponibilidade de exames avançados, como ressonância magnética, é limitada no Sistema Único de Saúde (SUS), com apenas 50% dos pacientes com suspeita de AVC acessando imagem em 24 horas, segundo estudo de São Paulo. O custo dos DOACs, não amplamente fornecidos pelo SUS, restringe seu uso, forçando a dependência de varfarina, que exige monitoramento frequente. Além disso, a adesão ao tratamento é comprometida em jovens devido à percepção de baixo risco, com 20% relatando interrupção da terapia, conforme pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais.
Contexto Brasileiro
No Brasil, a investigação de trombose arterial em jovens enfrenta barreiras logísticas e econômicas. A sobrecarga do SUS limita o acesso a testes de trombofilia, disponíveis apenas em centros terciários. A falta de capacitação de profissionais para reconhecer causas não usuais leva a subdiagnósticos, especialmente de SAF e dissecção arterial. Um programa piloto em Recife demonstrou que a implementação de protocolos locais aumentou a identificação de trombofilias em 25%, sugerindo que a padronização pode melhorar os desfechos.
Perspectivas Futuras
As perspectivas futuras incluem o desenvolvimento de biomarcadores, como microRNAs ou níveis de fator tecidual, para identificar jovens com alto risco de trombose. A inteligência artificial (IA) pode otimizar o diagnóstico, integrando dados clínicos e de imagem. Um estudo piloto no Brasil alcançou 90% de acurácia na previsão de AVC criptogênico usando IA. A ampliação do acesso a DOACs no SUS e a criação de diretrizes nacionais específicas são prioridades. Ensaios clínicos, como o estudo NAVIGATE-ESUS, podem esclarecer o papel dos DOACs em trombose arterial de causa indeterminada.
*****
A trombose arterial em jovens é uma condição rara, mas grave, impulsionada por causas não usuais, como trombofilias, doenças autoimunes, medicamentos e infecções. A investigação requer anamnese detalhada, exames laboratoriais e de imagem, mas enfrenta desafios como diagnóstico tardio e acesso limitado no Brasil. O manejo combina terapia antitrombótica e abordagem da causa subjacente, enquanto avanços em biomarcadores, IA e políticas públicas prometem melhorar os desfechos. A conscientização e a padronização diagnóstica são essenciais para reduzir a morbimortalidade nessa população.
Comentários
Postar um comentário