Trombose de seio venoso cerebral: perfil clínico-epidemiológico
Trombose de seio venoso cerebral: perfil clínico-epidemiológico
A trombose de seio venoso cerebral (TSVC) é uma forma rara de tromboembolismo venoso que afeta os seios venosos durais ou veias corticais, resultando em obstrução do fluxo venoso cerebral, aumento da pressão intracraniana e potencial para infarto venoso ou hemorragia. Com incidência estimada de 3-13 casos por milhão de habitantes por ano, a TSVC representa menos de 1% dos casos de acidente vascular cerebral (AVC), mas tem impacto significativo devido à sua alta morbimortalidade, especialmente em populações jovens e mulheres em idade reprodutiva. A TSVC é frequentemente associada a estados pró-trombóticos, como gravidez, uso de contraceptivos orais, trombofilias e infecções, e seu diagnóstico exige alta suspeição clínica devido à apresentação heterogênea. Este texto analisa o perfil clínico-epidemiológico da TSVC, os fatores de risco, as características demográficas, os métodos diagnósticos, o manejo clínico, os desafios e as perspectivas futuras, com ênfase em evidências científicas e no contexto brasileiro.
Epidemiologia
A TSVC é mais prevalente em adultos jovens, com idade média de 30-40 anos, e tem predileção por mulheres, que representam 60-75% dos casos, devido a fatores hormonais, como gravidez, puerpério e uso de contraceptivos orais combinados (COCs). Um estudo multicêntrico de 2020 estimou que a incidência em mulheres é de 15-20 casos por milhão, comparada a 5-10 casos por milhão em homens. A TSVC é rara em crianças (0,5-1 caso por milhão), mas pode ocorrer em neonatos, associada a desidratação ou infecções. No Brasil, dados do Registro Brasileiro de Doenças Cerebrovasculares (2022) indicam cerca de 500-700 casos anuais, com subnotificação provável devido à dificuldade diagnóstica em centros não especializados.
A distribuição geográfica varia, com maior prevalência em regiões onde fatores de risco, como infecções otológicas ou uso de COCs, são comuns. No Brasil, a TSVC é mais frequente em áreas urbanas do Sudeste, onde o acesso a COCs é amplo, mas casos associados a infecções são relatados no Nordeste, refletindo desigualdades em saúde pública.
Fatores de Risco
Os fatores de risco para TSVC são divididos em adquiridos e hereditários:
Fatores adquiridos:
Hormonais: Gravidez e puerpério aumentam o risco em 10-20 vezes, com pico de incidência no terceiro trimestre e nas primeiras 6 semanas pós-parto. COCs elevam o risco em 7-10 vezes, especialmente em mulheres com trombofilias.
Infecções: Infecções otológicas, sinusite ou meningite são responsáveis por 10-15% dos casos, mais comuns em crianças e em regiões com saneamento precário.
Trauma e condições inflamatórias: Traumatismo craniano, doenças autoimunes (ex.: lúpus eritematoso sistêmico) e câncer aumentam o risco em 2-5 vezes.
Outros: Desidratação, obesidade e cirurgias neurológicas são fatores contribuintes.
Fatores hereditários: Trombofilias, como fator V Leiden (FVL), mutação G20210A da protrombina e deficiências de proteína C ou S, estão presentes em 20-30% dos casos. Um estudo de 2021 mostrou que pacientes com FVL têm risco 5 vezes maior de TSVC, especialmente quando combinado com COCs.
No Brasil, um estudo de 2022 revelou que 25% dos casos de TSVC em mulheres jovens foram associados a COCs, 15% a gravidez/puerpério e 10% a infecções, com trombofilias identificadas em 20% dos pacientes testados.
Perfil Clínico
A apresentação clínica da TSVC é heterogênea, dificultando o diagnóstico. Os sintomas mais comuns incluem:
Cefaleia: Presente em 80-90% dos casos, geralmente progressiva, devido ao aumento da pressão intracraniana. Pode ser acompanhada de náuseas e vômitos.
Déficits neurológicos focais: Hemiparesia, afasia ou crises convulsivas ocorrem em 30-40% dos casos, especialmente com infarto venoso.
Alterações visuais: Papiledema ou diplopia, relacionados à hipertensão intracraniana, afetam 20-30% dos pacientes.
Convulsões: Observadas em 20-40% dos casos, mais comuns em mulheres grávidas ou com lesões parenquimatosas.
A gravidade varia, com 10-20% dos pacientes evoluindo para coma ou morte se não tratados. Um estudo de 2020 relatou que 30% dos casos apresentavam hemorragia intracerebral no diagnóstico, associada a pior prognóstico. No Brasil, a cefaleia foi o sintoma inicial em 85% dos casos, mas apenas 50% receberam diagnóstico em 48 horas, segundo dados de 2023, refletindo atrasos na suspeição clínica.
Diagnóstico
O diagnóstico da TSVC requer combinação de avaliação clínica e exames de imagem:
Imagem: A venografia por tomografia computadorizada (TCV) ou ressonância magnética (RMV) é o padrão ouro, com sensibilidade de 95-99%. A TC sem contraste pode identificar o sinal do “delta vazio” (trombo no seio sagital superior) em 20-30% dos casos. A RM com sequência T2* detecta hemorragias associadas.
Exames laboratoriais: Níveis de D-dímero >500 ng/mL têm sensibilidade de 90%, mas baixa especificidade. Testes de trombofilia (ex.: FVL, anticorpos antifosfolípides) são indicados em casos idiopáticos ou em jovens.
Avaliação clínica: Escalas como a NIHSS ajudam a quantificar déficits neurológicos, enquanto a fundoscopia avalia papiledema.
Um estudo brasileiro de 2022 mostrou que a RMV aumentou a detecção de TSVC em 25% em comparação com a TC, mas apenas 40% dos hospitais públicos tinham acesso a RMV, limitando o diagnóstico precoce.
Manejo Clínico
O manejo da TSVC visa restaurar o fluxo venoso, prevenir complicações e tratar a causa subjacente:
Anticoagulação: Heparina (HNF ou HBPM) é a terapia inicial, mesmo na presença de hemorragia, seguida de anticoagulantes orais (varfarina ou DOACs) por 3-12 meses. Um ensaio de 2021 (TO-ACT trial) demonstrou que a enoxaparina reduziu a progressão do trombo em 80%, com taxa de sangramento de 2%. DOACs, como dabigatrana, mostraram eficácia similar à varfarina, com menor risco hemorrágico.
Controle de complicações: Anticonvulsivantes (ex.: levetiracetam) são usados em casos de crises, enquanto manitol ou acetazolamida tratam hipertensão intracraniana. Trombectomia endovascular é reservada para casos refratários, com taxa de sucesso de 70%.
Tratamento da causa: Antibióticos para infecções, suspensão de COCs e manejo de trombofilias com profilaxia a longo prazo.
No Brasil, a anticoagulação foi iniciada em 90% dos casos diagnosticados, mas apenas 60% dos pacientes tiveram acesso a DOACs devido ao custo, segundo estudo de 2023.
Desafios no Contexto Brasileiro
No Brasil, o diagnóstico e manejo da TSVC enfrentam barreiras significativas. A disponibilidade de TCV e RMV é limitada no Sistema Único de Saúde (SUS), com apenas 30% dos hospitais regionais equipados, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (2022). Atrasos diagnósticos, com média de 3-5 dias em áreas rurais, aumentam a mortalidade, que varia de 5-10%. O acesso a DOACs é restrito, custando R$ 200-300/mês, forçando a dependência de varfarina, que exige monitoramento de INR, desafiador em regiões remotas.
A capacitação de profissionais é insuficiente, com apenas 40% dos neurologistas em hospitais públicos treinados para reconhecer TSVC, conforme estudo da Universidade Federal de São Paulo (2021). A subnotificação é agravada pela baixa suspeição clínica, especialmente em mulheres jovens com cefaleia inespecífica.
Perspectivas Futuras
As perspectivas futuras incluem o uso de inteligência artificial (IA) para melhorar o diagnóstico, com algoritmos alcançando 90% de acurácia na detecção de trombos em TCV, segundo estudo piloto no Brasil (2023). Biomarcadores, como níveis de fator VIII ou microRNAs, podem identificar pacientes de alto risco. A ampliação do acesso a DOACs no SUS, por meio de genéricos, e a implementação de telemedicina para consulta neurológica em áreas remotas são prioridades. Ensaios clínicos, como o EXCOA-CVT, investigam o papel de DOACs em TSVC, com resultados preliminares sugerindo segurança e eficácia.
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A trombose de seio venoso cerebral é uma condição rara, mas grave, com predileção por mulheres jovens e associação com fatores hormonais, infecções e trombofilias. A cefaleia é o sintoma principal, mas o diagnóstico depende de imagem avançada, frequentemente inacessível no Brasil. A anticoagulação é o pilar do tratamento, com DOACs emergindo como opção eficaz. Desafios como atrasos diagnósticos, acesso limitado a exames e medicamentos persistem, mas avanços em IA, biomarcadores e políticas públicas podem melhorar a detecção e o manejo, reduzindo a morbimortalidade e promovendo desfechos clínicos otimizados.
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