Um pouco sobre o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Artrite Reumatoide

 Um pouco sobre o Protocolo  Clínico  e  
Diretrizes Terapêuticas da  Artrite Reumatoide




A artrite reumatoide (AR) é uma doença inflamatória crônica de etiologia desconhecida, caracterizada por inflamação sinovial, destruição articular progressiva e manifestações extra-articulares que impactam negativamente a qualidade de vida, a capacidade funcional e a expectativa de vida dos pacientes.

A AR afeta predominantemente mulheres, com prevalência estimada entre 0,46% e 1,6% em populações da América Latina, sendo mais comum na faixa etária de 30 a 50 anos. A etiologia da doença permanece incerta, mas fatores genéticos, como a presença de alelos HLA-DRB1, e ambientais, como tabagismo, desempenham papéis significativos. A inflamação crônica é mediada por citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α, IL-1 e IL-6, que promovem a proliferação de macrófagos e fibroblastos na membrana sinovial, levando a erosões ósseas e deformidades articulares.

O diagnóstico da AR é clínico, complementado por exames laboratoriais e de imagem. Os critérios de classificação do American College of Rheumatology (ACR) de 1987 e ACR/EULAR de 2010 orientam o diagnóstico, com ênfase em sintomas como rigidez matinal, poliartrite simétrica e presença de autoanticorpos, como fator reumatoide (FR) e anticorpos antipeptídeos citrulinados cíclicos (anti-CCP). Esses autoanticorpos, especialmente o anti-CCP, possuem alta especificidade (95%) e são úteis em casos de dúvida diagnóstica. Provas de atividade inflamatória, como velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C reativa (PCR), e exames de imagem, como radiografia, ultrassonografia e ressonância magnética, auxiliam na confirmação e monitoramento da doença.

A radiografia simples é amplamente utilizada por seu baixo custo, mas apresenta limitações na detecção de alterações iniciais. A ultrassonografia, com doppler, permite avaliar sinovite e neovascularização em tempo real, enquanto a ressonância magnética é mais sensível para detectar inflamação e destruição articular precoce, embora seu uso seja limitado pelo custo e disponibilidade. O diagnóstico diferencial inclui lúpus eritematoso sistêmico, artrite psoriásica, gota e infecções virais, como parvovírus B19 e hepatites, especialmente em casos de poliartrite recente.

Fatores de mau prognóstico, como sexo feminino, tabagismo, títulos elevados de FR ou anti-CCP, alta atividade inflamatória e erosões precoces, devem ser identificados para um manejo mais intensivo. A classificação da atividade da doença, utilizando índices como DAS-28, SDAI ou CDAI, é essencial para definir a conduta terapêutica e avaliar a resposta ao tratamento. O objetivo principal é alcançar a remissão ou, alternativamente, baixa atividade da doença, com reavaliações periódicas para ajustar a terapia.

O manejo da AR no SUS segue a estratégia de “tratamento por meta” (treat to target), que busca a remissão ou baixa atividade da doença, considerando a decisão compartilhada entre paciente e profissional de saúde. A abordagem terapêutica combina intervenções não farmacológicas e farmacológicas, com acompanhamento preferencialmente multidisciplinar, envolvendo reumatologistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos e nutricionistas. A educação do paciente sobre a doença, adesão ao tratamento, cessação do tabagismo, prática de exercícios físicos e controle de comorbidades, como hipertensão e diabetes, são fundamentais.

O tratamento não farmacológico inclui exercícios contra resistência, aeróbicos, fisioterapia e terapia ocupacional, que melhoram a força muscular, a capacidade funcional e a qualidade de vida. Evidências, embora limitadas, sugerem benefícios de intervenções psicológicas na redução da ansiedade e depressão. Modificações nutricionais carecem de evidências robustas, e seu impacto permanece incerto. O uso de órteses é indicado em casos avançados para suporte articular.

No tratamento farmacológico, a primeira etapa prioriza medicamentos modificadores do curso da doença sintéticos (MMCDs), com o metotrexato (MTX) como escolha inicial devido à sua eficácia e baixo custo. Em caso de intolerância, alternativas como leflunomida (LEF) ou sulfassalazina (SSZ) são recomendadas, enquanto a hidroxicloroquina (HCQ) ou cloroquina isoladas são menos eficazes. O MTX pode ser administrado por via oral ou injetável, com suplementação de ácido fólico para reduzir toxicidade hepática e gastrointestinal.

Em caso de falha da monoterapia após três meses de dose otimizada, a segunda linha da primeira etapa recomenda terapia combinada dupla (MTX + HCQ ou MTX + SSZ) ou tripla (MTX + HCQ + SSZ). A combinação tripla é eficaz, mas requer monitoramento rigoroso devido ao risco de efeitos adversos. A segunda etapa envolve medicamentos modificadores do curso da doença biológicos (MMCDbio), como adalimumabe, etanercepte, infliximabe, golimumabe, certolizumabe pegol, abatacepte, tocilizumabe e rituximabe, ou sintéticos alvo-específicos (MMCDsae), como baricitinibe e tofacitinibe, geralmente associados ao MTX, salvo contraindicações.

Os MMCDbio anti-TNF (adalimumabe, etanercepte, infliximabe, golimumabe, certolizumabe pegol) são frequentemente utilizados na segunda etapa, mas abatacepte e tocilizumabe (não anti-TNF) são alternativas eficazes. O rituximabe é reservado para casos com contraindicações aos outros MMCDbio. Baricitinibe e tofacitinibe, inibidores de JAK, oferecem a vantagem da administração oral e não exigem refrigeração, sendo opções em casos de falha dos MMCDs. A terceira etapa prevê a troca por outro MMCDbio ou MMCDsae não utilizado anteriormente, mantendo a associação com MTX quando possível.

Glicocorticoides, como prednisona ou prednisolona, e anti-inflamatórios não esteroidais (AINE), como ibuprofeno e naproxeno, são usados para controle sintomático em doses mínimas e pelo menor tempo possível, devido ao risco de efeitos adversos, como hemorragia digestiva e toxicidade renal. Em situações de surtos agudos ou manifestações extra-articulares graves, como vasculite, pode-se considerar pulsoterapia com metilprednisolona intravenosa ou imunossupressores, como azatioprina ou ciclofosfamida, em ambiente hospitalar.

O monitoramento regular é crucial, com avaliação da atividade da doença por índices validados (CDAI, SDAI, DAS-28) e da capacidade funcional pelo Health Assessment Questionnaire (HAQ). Ajustes terapêuticos devem ser realizados a cada três meses em caso de falha ou toxicidade, considerando a meta de remissão ou baixa atividade. A adesão ao tratamento e o manejo de comorbidades, como osteoporose e infecções, são essenciais para otimizar os desfechos.

As evidências que sustentam o PCDT foram obtidas por meio do sistema GRADE, que classifica a qualidade das evidências em alta, moderada, baixa ou muito baixa, com base em ensaios clínicos randomizados e estudos observacionais. A incorporação de novas tecnologias, como o baricitinibe, foi avaliada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), considerando eficácia, segurança e custo-efetividade, com consulta pública para incorporar a visão da sociedade.

Os custos associados ao tratamento da AR no SUS são significativos, especialmente com MMCDbio e MMCDsae, mas a priorização de medicamentos como MTX e a incorporação estratégica de biológicos visam equilibrar eficácia e sustentabilidade. A análise de custo-efetividade favorece terapias iniciais com MMCDs devido ao menor custo e eficácia comprovada, enquanto os biológicos são reservados para casos refratários.

A AR impõe uma carga significativa, com impacto na produtividade e custos elevados para o sistema de saúde. A abordagem precoce e agressiva, com diagnóstico na atenção primária e encaminhamento especializado, reduz a progressão da doença e melhora o prognóstico. A identificação de fatores de mau prognóstico e o monitoramento contínuo são cruciais para personalizar o tratamento.

A implementação do PCDT no SUS enfrenta desafios, como a disponibilidade de medicamentos biológicos, a necessidade de centros de infusão e o treinamento de profissionais. A educação do paciente e a adesão ao tratamento são barreiras adicionais, especialmente em populações com menor acesso à saúde. A consulta pública reforça a transparência e a participação social na revisão do protocolo.

O PCDT da Artrite Reumatoide de 2020 oferece um guia robusto para o manejo da doença no SUS, integrando evidências científicas e práticas adaptadas ao contexto brasileiro. A abordagem multidisciplinar, o uso escalonado de terapias farmacológicas e o foco na remissão ou baixa atividade da doença são estratégias centrais para melhorar a qualidade de vida e reduzir a morbimortalidade associada à AR.






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