Um pouco sobre o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Retocolite Ulcerativa

 Um pouco sobre o  Protocolo Clínico e Diretrizes
 Terapêuticas  Retocolite Ulcerativa


A retocolite ulcerativa (RCU) é uma doença inflamatória intestinal crônica caracterizada por episódios recorrentes de inflamação da mucosa do cólon, afetando principalmente o reto e porções proximais de forma contínua. 

A RCU tem prevalência variável, com estimativas no Brasil sugerindo uma incidência de 3,8 a 6,7 casos por 100.000 habitantes/ano, conforme estudo no estado de São Paulo. A doença afeta ambos os sexos, com discreto predomínio masculino em alguns estudos, e apresenta picos de incidência entre 20-40 anos e após os 60 anos. A América Latina é considerada uma região de baixa prevalência em comparação com países como Estados Unidos e Reino Unido. A RCU manifesta-se por diarreia com sangue (hematoquezia em 90% dos casos), dor abdominal, tenesmo, urgência evacuatória e muco nas fezes, variando conforme a extensão da doença: proctite (limitada ao reto), colite esquerda (até a flexura esplênica) ou pancolite (além da flexura esplênica).

O diagnóstico da RCU é clínico, endoscópico e histopatológico. Os sintomas principais incluem diarreia sanguinolenta, acompanhada de cólicas abdominais e tenesmo, enquanto casos graves podem apresentar febre, anemia e emagrecimento. Exames endoscópicos, como colonoscopia ou retossigmoidoscopia, são fundamentais, revelando inflamação contínua com eritema, edema, friabilidade, exsudato mucopurulento e, em casos graves, úlceras. Achados histopatológicos incluem distorção arquitetural de criptas, infiltrado inflamatório transmucoso e plasmocitose basal. A proteína C reativa (PCR) e a velocidade de sedimentação globular (VSG) auxiliam na avaliação, mas podem ser normais em casos distais. O diagnóstico diferencial inclui colite infecciosa, doença de Crohn e colite isquêmica.



A classificação de Montreal define a extensão da doença (proctite, colite esquerda ou pancolite), enquanto os critérios de Truelove e Witts categorizam a gravidade: leve (menos de 3 evacuações/dia, sem sintomas sistêmicos), moderada (mais de 4 evacuações/dia, mínimo comprometimento sistêmico) e grave (mais de 6 evacuações/dia com sangue, febre, taquicardia, anemia ou VSG >30). Manifestações extraintestinais (MEI), como artrite, lesões cutâneas e colangite esclerosante primária, ocorrem em 10-35% dos pacientes e podem preceder sintomas intestinais. Pacientes com colangite esclerosante têm maior risco de câncer colorretal.

O objetivo do tratamento é alcançar remissão clínica livre de corticoides e mantê-la a longo prazo, reduzindo recidivas e complicações como colectomia. O manejo é escalonado conforme a gravidade e extensão da doença, utilizando aminossalicilatos (mesalazina, sulfassalazina), corticoides, imunossupressores (azatioprina), biológicos (infliximabe, vedolizumabe) e inibidores de Janus Kinase (tofacitinibe). A cicatrização da mucosa (subescore endoscópico de Mayo 0 ou 1) está associada a melhores desfechos, incluindo menor risco de colectomia, conforme estudos de coorte e meta-análises.

Para proctite leve a moderada, a mesalazina tópica (supositórios de 1 g/dia) é a primeira escolha, sendo superior ao placebo na indução de remissão clínica e endoscópica (RR=8,30; IC95% 4,28-16,12). Em colite esquerda, combina-se mesalazina oral (2,4-4,8 g/dia) com enemas (1 g/dia), que é mais eficaz que qualquer um isoladamente. Na pancolite leve a moderada, mesalazina ou sulfassalazina oral (2-4 g/dia) são igualmente eficazes, com preferência pela sulfassalazina devido ao menor custo, apesar do risco de infertilidade masculina. A mesalazina em sachê (2 g, 1-2 vezes/dia) é tão eficaz quanto comprimidos, mas mais conveniente, com maior adesão devido à menor frequência de doses.

Casos moderados a graves requerem corticoides orais (prednisona 40-60 mg/dia, com redução gradual) associados a aminossalicilatos. Pacientes dependentes de corticoides ou refratários podem se beneficiar de azatioprina (2-2,5 mg/kg/dia), que reduz reativações em 56% (RR=0,68; IC95% 0,54-0,86). Em falhas à azatioprina, biológicos como infliximabe (5-10 mg/kg, semanas 0, 2, 6 e a cada 8 semanas) ou vedolizumabe (300 mg, mesmas semanas) são indicados, com infliximabe mostrando superioridade em indução de remissão (NNT=5). Tofacitinibe (10 mg, 2 vezes/dia por 8 semanas, seguido de 5 mg, 2 vezes/dia) é eficaz em casos refratários a biológicos, com maior probabilidade de remissão clínica.

Na colite aguda grave, o tratamento hospitalar com hidrocortisona intravenosa (100 mg a cada 6-8 horas) é preconizado, com avaliação no terceiro dia pelo critério de Oxford (mais de 8 evacuações/dia e PCR >45 mg/dL indicam 85% de risco de colectomia). Pacientes refratários podem receber ciclosporina intravenosa (2 mg/kg/dia por 7 dias) ou infliximabe, com eficácia semelhante (RR=1,08 para resposta clínica). A colectomia é considerada em falhas terapêuticas ou megacólon tóxico, com preferência por colectomia subtotal e ileostomia.

A manutenção da remissão utiliza os mesmos medicamentos da indução, com mesalazina ou sulfassalazina oral para pancolite e colite esquerda, e supositórios de mesalazina (250 mg a 1 g, 3 vezes/semana) para proctite. Azatioprina, infliximabe, vedolizumabe ou tofacitinibe são mantidos em casos graves, com reavaliação anual. A suspensão de imunossupressores é individualizada, considerando fatores como remissão endoscópica e menor extensão da doença, mas o risco de reativação varia de 43-65% em 5 anos.

Efeitos adversos dos aminossalicilatos incluem náusea, diarreia e cefaleia, sendo bem tolerados. Corticoides podem causar osteoporose e diabetes, enquanto a azatioprina está associada a hepatotoxicidade e linfoma. Biológicos e tofacitinibe aumentam o risco de infecções, exigindo monitoramento para herpes zóster, hepatites e tromboembolismo. A profilaxia para Pneumocystis jiroveci é recomendada em tripla imunossupressão.

O acompanhamento no SUS enfatiza a atenção primária para identificação precoce e encaminhamento a centros especializados. A notificação de casos graves e o monitoramento regular (exames laboratoriais e endoscópicos) são cruciais. A consulta pública, parte do processo de elaboração do PCDT, garante transparência e participação social, com 370 contribuições recebidas em 2021. O protocolo enfrenta desafios como acesso a biológicos e capacitação profissional, mas representa um avanço na padronização do cuidado.

O PCDT de 2023 para RCU oferece diretrizes baseadas em evidências para o manejo no SUS, promovendo remissão clínica e endoscópica com mínimo uso de corticoides. A abordagem escalonada, integrando terapias tópicas, orais e biológicas, visa melhorar a qualidade de vida e reduzir complicações, com atenção à equidade no acesso e à sustentabilidade do sistema.


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