Um pouco sobre o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Acidente Vascular Cerebral Isquêmico Agudo
do Acidente Vascular Cerebral Isquêmico Agudo
O Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVCi) agudo é uma das principais causas de incapacidade e mortalidade global, com impacto significativo na saúde pública.
O AVCi é definido como um episódio agudo de disfunção neurológica focal ou global devido à oclusão arterial, resultando em infarto cerebral, com sintomas persistentes por mais de 24 horas ou confirmados por exames de imagem, como tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM). Representando 75-85% dos casos de AVC, o AVCi tem uma incidência anual no Brasil de aproximadamente 108 casos por 100 mil habitantes. É mais prevalente em adultos de meia-idade e idosos, com fatores de risco modificáveis, como hipertensão arterial, tabagismo, obesidade, diabetes mellitus, sedentarismo, consumo de álcool, doenças cardíacas e dislipidemias, contribuindo para até 90% dos casos.
A aterosclerose de grandes artérias cervicais ou intracranianas é a principal causa modificável, enquanto cerca de 20% dos casos estão associados a êmbolos cardiogênicos, frequentemente ligados à fibrilação atrial. Aproximadamente 30% dos casos permanecem idiopáticos, mesmo após investigação extensa. A identificação precoce de fatores de risco na atenção primária é essencial para a prevenção, enquanto o atendimento imediato em centros especializados reduz sequelas e mortalidade.
O diagnóstico do AVCi baseia-se em avaliação clínica, exames de imagem e complementares. O início súbito de déficits neurológicos focais, como hemiparesia, alteração de linguagem ou hemianopsia, é característico. A Escala de Avaliação Pré-hospitalar, que avalia queda facial, fraqueza nos braços e fala anormal, é utilizada para triagem inicial devido à sua acurácia. No ambiente hospitalar, a Escala do National Institutes of Health Stroke Scale (NIHSS) é empregada para diagnóstico, prognóstico e monitoramento, com escores variando de 0 a 42, indicando gravidade.
A tomografia computadorizada é o exame de imagem inicial preferido por sua disponibilidade, menor custo e capacidade de detectar sinais precoces de isquemia em até 67% dos casos nas primeiras 3 horas e 82% nas primeiras 6 horas. A ressonância magnética, embora mais sensível, especialmente com técnicas de difusão/perfusão, é limitada pelo tempo de realização e disponibilidade. Exames complementares, como eletrocardiograma, glicemia capilar, hemograma, coagulograma e marcadores bioquímicos, auxiliam na identificação de arritmias, distúrbios metabólicos ou condições que mimetizem o AVCi.
O diagnóstico diferencial inclui condições como hematoma subdural, ataques isquêmicos transitórios (AIT), migrânea com aura, convulsões, hipoglicemia e vestibulopatias periféricas. A diferenciação é crucial, pois quadros com evolução gradual sugerem lesões com efeito de massa, como neoplasias, enquanto sintomas positivos, como atividade motora, são mais típicos de convulsões.
Os critérios de elegibilidade para tratamento no SUS incluem pacientes adultos (≥18 anos) com diagnóstico confirmado de AVCi agudo. Para trombólise com alteplase, os pacientes devem apresentar sintomas iniciados há menos de 4,5 horas, sem evidência de hemorragia intracraniana na TC ou RM, e avaliação por neurologista. Para trombectomia mecânica, indicada em oclusões de grandes vasos (artéria carótida interna ou segmento M1 da artéria cerebral média), os critérios variam conforme a janela terapêutica: até 8 horas ou entre 8 e 24 horas, considerando NIHSS ≥6, escore de Rankin modificado (mRS) ≤2 antes do evento e volume de infarto avaliado por imagem.
Contraindicações para trombólise incluem hemorragia intracraniana prévia, cirurgia de grande porte recente, pressão arterial não controlada (>185/110 mmHg), plaquetopenia (<100.000/mm³), coagulopatias, uso recente de anticoagulantes orais diretos ou hemorragia ativa. Para trombectomia, exclusões abrangem hemorragia intracraniana recente, infarto extenso (ASPECTS <6 ou <5 na RM), idade >90 anos, alergia ao iodo, diátese hemorrágica ou hipertensão grave sustentada.
O manejo do AVCi no SUS enfatiza o atendimento em Centros de Atendimento de Urgência ao AVC, equipados com equipes treinadas, tomografia 24 horas, unidade de terapia intensiva e serviços de hemoterapia. A trombólise intravenosa com alteplase (0,9 mg/kg, máximo 90 mg, com 10% em bolus e o restante em 60 minutos) é o tratamento farmacológico padrão, administrado em até 4,5 horas do início dos sintomas. Estudos demonstram que a alteplase aumenta a independência funcional (mRS 0-2), embora beneficie apenas 6 em cada 1.000 pacientes devido à janela terapêutica curta.
A trombectomia mecânica, incorporada ao SUS em 2021, é indicada para oclusões de grandes vasos, utilizando dispositivos como stent-retriever ou sistemas de aspiração. Realizada por cateterismo endovascular, restaura o fluxo sanguíneo, com eficácia comprovada até 8 horas (ou até 24 horas em casos selecionados com mismatch perfusion/difusão). Ensaios clínicos randomizados (ECRs) demonstram maior independência funcional (RR 3,00, IC 95% 2,06-4,37) e recanalização (RR 1,95, IC 95% 1,49-2,54) com trombectomia, embora com risco moderado de hemorragia intracraniana sintomática.
A escolha entre anestesia geral e sedação consciente durante a trombectomia depende de fatores como agitação do paciente, complexidade do procedimento e nível de consciência. Evidências de uma revisão sistemática indicam maior recanalização (RR 1,11, IC 95% 1,00-1,23) e tendência a maior independência funcional com anestesia geral (RR 1,24, IC 95% 1,00-1,55), sem diferenças significativas em hemorragia ou mortalidade. A decisão é individualizada, com monitoramento rigoroso da pressão arterial para evitar hipotensão ou hipertensão.
O tratamento não farmacológico inclui medidas de suporte, como controle pressórico, glicêmico e térmico, além de reabilitação precoce com fisioterapia e terapia ocupacional. A abordagem multidisciplinar, envolvendo neurologistas, neurorradiologistas, neurointensivistas e equipes de emergência, é essencial para otimizar desfechos.
O monitoramento pós-trombólise exige avaliação contínua por 24 horas, incluindo pressão arterial, oximetria, eletrocardiografia, glicemia (<200 mg/dL) e temperatura (<37,5°C). Após trombectomia, a evolução neurológica é avaliada pelo NIHSS (antes e 24 horas após) e mRS (após 3 meses). O Doppler transcraniano é um método auxiliar promissor, mas não obrigatório.
O impacto do AVCi é significativo, sendo a segunda principal causa de mortalidade prematura global e de anos de vida perdidos (DALYs). No Brasil, o custo do tratamento, especialmente com trombectomia, é moderado, mas a custo-efetividade favorece sua implementação em centros especializados. A criação de Centros de Atendimento de Urgência ao AVC Tipo IV, com infraestrutura para trombectomia, é recomendada para ampliar o acesso.
Desafios incluem a capacitação de profissionais, a disponibilidade de centros equipados e a adesão ao protocolo. A educação de pacientes e a integração entre atenção primária e especializada são cruciais para a prevenção e manejo precoce. A consulta pública, etapa obrigatória, garante transparência e participação social na validação do PCDT.
O PCDT de 2021 para AVCi agudo oferece um guia robusto para o SUS, integrando trombólise e trombectomia com base em evidências moderadas a altas. A abordagem centrada no tempo, com diagnóstico rápido e tratamento em centros especializados, visa reduzir incapacidade e mortalidade, alinhando-se às necessidades do contexto brasileiro.
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